Na passada Universidade de Verão, o Presidente da República, questionado sobre a intenção do Chega em realizar um referendo à imigração, referiu os números de imigrantes no nosso país — cerca de um milhão de pessoas, onde “asiáticos, recentíssimos — como do Nepal e do Bangladesh” farão a diferença entre o referido milhão e os imigrantes tradicionais (brasileiros, Palops, outros europeus), ou seja, os referidos asiáticos serão entre 20% e 30% do total de imigrantes, um número entre 200 e 300 mil pessoas.

Partindo do princípio de que o que motiva o desejado referendo não são os ingleses da Madeira e do Algarve, os americanos da Comporta, os franceses de Campo de Ourique, os afrodescendentes, os vistos gold ou os brasileiros, muitos com ascendência portuguesa, faz sentido debruçar-nos sobre os ditos asiáticos.

É sentido comum que estas 200-300 mil pessoas desempenham funções maioritariamente na área da Agricultura, sendo que alguns são condutores de TVDE.

Na Agricultura, as tarefas que desempenham são pouco diferenciadas, atuando por exemplo em operações como a colheita de frutos vermelhos, produção com enfoque no Alentejo Litoral, onde existem localidades (como São Teotónio, Odemira) onde a presença destes imigrantes é notória.

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A chegada destes imigrantes deu-se em pouco tempo, e sendo mão de obra barata e muitas vezes eventual, o que lhes foi providenciado em termos de habitação pode estar dentro dos padrões de vida que têm nos seus países de origem, mas está completamente fora dos nossos, o que é um problema de resolução complexa, piorado pelo facto das zonas de produção se situarem em áreas turísticas de elevada procura, onde os preços das casas já nem para os locais são comportáveis.

Ou seja, a produção está assente em mão de obra barata e indiferenciada, que auferindo nem que seja o nosso salário mínimo já fica numa situação bem acima da alternativa nos seus países de origem, razão pela qual se pode pensar que este é um fenómeno que veio para ficar.

Mas não é, a tecnologia surge normalmente onde existem oportunidades de melhoria, e estes são trabalhos que podem ser substituídos por máquinas, que por sinal até já estão em demonstração em Portugal.

As máquinas em causa, que se socorrem de Inteligência Artificial, podem colher mais frutos, pois têm braços de maior alcance e flexibilidade do que o braço humano, têm uma visão sobre-humana, com capacidade de detetar a frequência espetral do estado de maturação dos frutos, movem-se ao longo da entrelinha, e para além de colherem os frutos também os colocam em recipientes, prontos para serem transportados para os supermercados.

Um robô destes consegue colher cerca de 2 kg por hora, pode trabalhar quase ininterruptamente, não precisa de casa, não tem salário, não tem férias. Estes robôs precisarão de mão de obra qualificada para os manter e gerir, e estes novos empregos, qualificados, terão de ser bem remunerados.

Ou seja, a introdução de colheita mecânica de frutos vermelhos já está no horizonte, e quando tal acontecer em escala a mão de obra oriunda de países asiáticos será em muito reduzida, aliás como tem vindo a acontecer noutros setores agrícolas, como a vindima ou a apanha de azeitona, que são operações cada vez mais mecanizadas.

Em paralelo, este novo tipo de mão de obra também se tem vindo a generalizar nos TVDE nos grandes centros urbanos, onde condutores asiáticos nos conduzem a preços por vezes inenarráveis, preços só possíveis, de novo, por causa de salários baixos e de condições de vida muito abaixo daquelas que nos dizemos permitir.

Neste caso, não interagimos com o problema da mão de obra barata por via de um produto acabado que comprámos no supermercado, temos ao invés o convívio com o tema pela partilha de um espaço confinado durante uma viagem. É bom que tenhamos consciência que quando pagamos um valor exíguo por uma corrida de TVDE, a pessoa que nos transporta é alguém que dorme num amontoado de colchões nas traseiras de uma loja e que partilha uma casa de banho com dezenas de outros condutores de TVDE.

Numa perspetiva temporal aqui mais vasta, é de prever que os veículos autónomos venham a ser uma realidade. De facto, táxis autónomos operados de uma forma comercial já existem (China, EUA), com resultados muito encorajadores, e sendo (também aqui) o custo determinante, é tentador reduzir uma parte substancial (pode chegar a 50%) da operação e automatiza-la.

É evidente que existirá sempre procura para quem não queira ser transportado por um robô, mas para esses, a solução convencional, mais cara, com recurso a mão de obra mais qualificada, continuará a ser uma opção.

Naturalmente, é mais difícil introduzir veículos autónomos nas cidades do que máquinas agrícolas autónomas nos campos, não tanto por uma questão tecnológica, mas muito mais por questões regulatórias. Não nos esqueçamos que temos o código de estrada baseado na existência de um condutor, que não existindo abrirá um buraco negro em termos de responsabilidade caso algo de errado aconteça, e acontece sempre, pois infelizmente não existe trânsito sem acidentes.

De qualquer forma, a necessidade crescente de mobilidade e o fator custo serão facilitadores da introdução de soluções de transporte autónomas, sem necessidade de explorarmos pessoas que, pelo facto de terem nascido em países economicamente deprimidos, aceitam padrões de vida que nós já não aceitamos.

Ou seja, voltando ao referendo aos imigrantes, a existir tal referendo poderemos estar a votar uma situação que é circunstancial, quando os referendos, por definição, são para decidirmos coletivamente questões estruturais.

De facto, os fluxos migratórios sempre existiram e seguramente irão continuar a existir, devem ser regulados e devemos exigir que as pessoas, enquanto por cá andarem, enquanto a tecnologia não encontrar uma solução, sejam tratadas com dignidade.

A substituição de mão de obra indiferenciada por máquinas, mais do que assustar-nos, deve servir para uma aposta nos trabalhos mais qualificados e por isso melhor remunerados. Mais do que discutir referendos, devíamos era debater a criação de condições para não termos de explorar semelhantes para manter o nosso estilo de vida.