No Brasil, o todo-poderoso ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, proibiu o X de Elon Musk, privando 22 milhões de utilizadores brasileiros da sua plataforma de eleição.

Na Alemanha, a ministra do Interior Nancy Faeser, do Partido Social Democrata, criou um conselho de cidadãos, o “Fórum contra os Fakes: Juntos por uma Democracia mais forte”, para aconselhar, denunciar, processar e punir “aqueles que espalham desinformação”.

Na mesma linha de consolidação e fortalecimento da democracia, Hillary Clinton, queixando-se numa entrevista à MSNBC da deplorável interferência russa na campanha eleitoral de 2016, denunciou os americanos- de-mal que, ao serviço da Rússia, da China e do Irão, estavam agora a desinformar os americanos-de-bem para favorecer Donald Trump.

No Reino Unido, na sequência dos distúrbios de Agosto, que o governo trabalhista e a imprensa de referência atribuíram à extrema-direita, houve quem, no governo, pedisse sanções contra Elon Musk, ou mesmo pena de prisão, por incitamento à violência.

Thierry Breton, quando comissário europeu para o Mercado Interno, tinha já ameaçado Elon Musk com o Digital Service Act, nas vésperas da sua entrevista com Donald Trump, lembrando-lhe as decorrentes “obrigações de moderação”.

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Curiosamente, todas estas práticas e todos estes apelos à regulação, controlo, censura ou cancelamento dos media partem da Esquerda e visam a Direita. Curiosamente, não porque a Esquerda não tenha um vasto e duradouro historial de repressão e censura, mas porque é a primeira vez que, como “esquerda moderada”, se junta ao “centro esquerda”, ao centrão e até à “direita moderada” para o assumir e preconizar publicamente no “mundo livre”.

Alexandre de Moraes, o cancelador da plataforma de Musk, distribuiu penas severas em julgamentos expeditos aos bolsonaristas insensatos que, inspirados no Capitólio, assaltaram o Congresso (enquanto Flávio Dino, então ministro e agora colega de Moraes no Supremo Tribunal Federal, também inspirado no Capitólio, se esquecia de reforçar a segurança na Praça dos Três Poderes).

Nancy Faeser, a do Forum contra os Fakes: Juntos por uma Democracia Mais Forte, pertence à coligação de esquerda no poder que, nas últimas eleições na Turíngia e na Saxónia, assistiu alarmada à subida das direitas alemãs e à descida abrupta da sua coligação.

Hillary Clinton é também de esquerda, em versão liberal chic, como é de esquerda o chefe do governo britânico, Keir Stamer, que tanto quer disparar – ou tanto quer que os ucranianos disparem – mísseis da NATO contra a Rússia, como não quer que o colesterol dos ingleses dispare mediante a ingestão de fast-food (hábito que se propõe desencorajar e proibir).

Já Thierry Breton, o comissário europeu que oportunamente chamou Elon Musk às suas “obrigações de moderação”, é da direita moderada… embora tenha um longo historial, não de “obrigações de moderação”, mas de imoderação em obrigações ou acções – no caso, do grupo informático ATOS, que geriu entre 2008 e 2019 e abandonou pela Comissão Europeia. As acções vendidas renderam-lhe uns moderados 40 milhões de Euros e, mais tarde, à ATOS a bancarrota. Entretanto, Breton abandonou a Comissão a pedido de von der Leyen e por cedência de Macron, não por este episódio de imoderação accionista mas por imoderada oposição à Presidente.

A linha geral

Todos estes reguladores e moderadores se queixam do discurso de ódio, das interferências iliberais, das mentiras, das notícias falsas, do racismo, das fobias várias, dos crimes xenófobos e dos exageros anti-migratórios da “extrema-direita.”

Poderão ter alguma razão. Mas há cada vez mais quem se queixe do mesmo discurso de ódio, das mesmas de interferências iliberais e das mesmas mentiras e notícias falsas, só que isentadas de polígrafo porque emitidas a partir de “lugares de virtude”, “de referência”, de poder, sob a aparência de bem e em nome da democracia.

Em viagem na Europa, comprei, para um voo mais longo, toda a imprensa de referência disponível para confirmar a linha geral: The Economist, Time, Newsweek, Nouvel Observateur, El Pais, Le Monde, The Guardian, La Reppublica.

Sobre as eleições americanas a objectividade era total, já que todos repetiam que Trump era, objectivamente, um perigoso fascista encapotado e um perigo para a democracia, secundado por um fascista ainda mais perigoso, porque mais instruído; mas que, felizmente, no campo democrata, tinha surgido uma mulher-maravilha, Kamala Harris – e logo identificando-se como negra e do género feminino! – secundada por um encantador “pai de família”.

Sobre a guerra russo-ucraniana, as notícias eram mais complexas; por um lado, os ucranianos estavam a progredir em Kursk; por outro, para que se aguentassem, precisavam que os europeus e os americanos da NATO fortalecessem e acelerassem o fornecimento de armas, liberalizando a sua utilização, independentemente do “bluff” de Putin e das suas “linhas vermelhas”.

Quanto a França, havia alguma perplexidade perante a dependência da passagem do próximo governo de Michel Barnier da boa vontade de Marine Le Pen e do Rassemblement National.

Chegado a Portugal, na televisão, retomei o meu hábito de quase só ver, ou rever, filmes: Tarantino, Almodovar e fitas de cowboys. Alguns dramas clássicos, como The Last Sunset, e outros daqueles onde os Apaches ainda são maus e os Confederados bons. E também – confesso a fraqueza – um ou outro western spaghetti, falado em italiano, para desanuviar.

Ainda assim, entre as chamas de um país tragicamente a arder, ouvi de passagem algumas análises e comentários sobre os grandes temas internacionais, com um Trump sempre mentiroso e a insultar toda a gente e uma Kamala sempre imaculada e à frente nas sondagens. Porque é que metade da América ainda se deixava enganar e manipular? E porque é que na Europa dezenas de milhões de cidadãos votavam, também enganados e manipulados, em radicais como Farage, Le Pen, a AFD, Orbán, Meloni?

A troca

Tudo isto decorre de um fenómeno que, para nós, portugueses, é difícil de interiorizar, não só pela submissão periférica às “Luzes” mas também pela persistência da memória do salazarismo. Aparentemente, a censura, o controle da expressão de pensamento, a prevenção da “perversão” da opinião pública, o moralismo, que estavam proverbialmente ligados à direita conservadora ou autoritária, passaram a ser a pièce de resistance das esquerdas progressistas. Na Primeira República, de vez em quando, assaltavam-se jornais da oposição católica e monárquica, mas o princípio da liberdade de expressão mantinha-se. Agora já não. Será que, como alertou Ross Douthat no New York Times, os “conservadores e os progressistas trocaram de atitudes e impulsos”?

Porque é sobretudo a Esquerda que quer agora controlar, regular, calar, cancelar até, uma liberdade de expressão que vê contaminada pelo engodo do populismo, e a Direita que clama por liberdade de expressão. É também sobretudo a Esquerda que agora levanta a hipótese de o povo “escolher mal” e a Direita que tende a pôr toda a sua confiança na sabedoria e soberania popular. E quem agora se entende com as multinacionais para, em nome dos macro e micro princípios de uma nova moral, sancionar projectos, cancelar escritores, produzir filmes “inclusivos” ou induzir conteúdos em obras de ficção é notoriamente a Esquerda, deixando à Direita a denúncia do perigo dos conluios entre os ideólogos do regime e a “plutocracia”.

Uma coisa é certa: com a Esquerda bem instalada entre as elites e na cabeça das elites políticas, económicas e culturais, o “machado que corta a raiz ao pensamento” parece ter-lhe caído nas mãos. E o discurso elites contra povo, com o seu quê de maquiavélico (I grandi contro il popolo) e de marxista (burgueses contra proletários) parece ter passado a ser o discurso da direita populista a erradicar.