Sob o lema da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, “Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital”, chocamos de frente com a realidade quando somos confrontados com as imagens da Leonor, que diariamente se tem de deslocar na carrinha do pai para um dos pontos mais altos da aldeia de Serapicos, para poder acompanhar, ainda assim com fraca qualidade, as aulas à distância; ou quando vemos as estatísticas do Parlómetro de 2020 (o Eurobarómetro do Parlamento Europeu), onde o capítulo dedicado à utilização da internet refere que um quarto dos cidadãos portugueses nunca utiliza a internet em casa.

Esta verdadeira fratura digital, com consequências imediatas e extremamente relevantes no contexto do ensino à distância, tem também consequências nefastas na crescente adoção do teletrabalho e na transição verificada no sector da saúde no que toca a consultas remotas.

Esta realidade devia despertar-nos para a necessidade do primeiro tiro da bazuca ser destinado a resolver, de uma vez por todas, esta profunda desigualdade territorial que, para além das consequências negativas já referidas, prejudica profundamente a captação de investimento, a criação de empresas e a fixação de emprego, vitais para inverter a sangria de população do interior do país num processo de desertificação humana com que nos confrontamos há décadas.

É, assim, imperativo passar das palavras aos atos em algo que é transversalmente defendido por todos, independentemente da ideologia, como atesta o Programa do XXII Governo da República Portuguesa, que estabelece ser “… prioritário garantir que a população, na sua globalidade, tem acesso ao serviço de internet, o qual deve ser configurado como um direito universal e economicamente acessível” ou a petição online “Portugal 100% digital – Pelo acesso universal a redes de comunicações e internet em todo o território nacional” lançada por António Almeida Henriques, Presidente da Câmara Municipal de Viseu e Vice-Presidente da Associação Nacional de Municípios onde preside à Secção Municípios “Cidades Inteligentes”.

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Este investimento, pelas externalidades positivas que potencia, libertando um potencial imenso de acesso a pessoas, conhecimento e mercados/negócios, seria o maior contributo que o Plano de Recuperação e Resiliência “Recuperar Portugal, Construindo o Futuro” poderia dar ao país e ao cumprimento do lema da Presidência Portuguesa de forma territorialmente equitativa. No entanto, ao consultar o documento colocado esta semana em consulta pública, verificamos que esta ambição não faz parte dos investimentos considerados, para além da vertente escolar, apesar da acessibilidade digital ser hoje garante e motor da coesão territorial, assegurando que o mais poderoso elevador social criado pelo homem está disponível independentemente do local onde nasci, vivo ou trabalho.

Entre os caminhos possíveis, tendo como ambição a cobertura integral do território nacional com acesso à internet, devemos não apenas considerar a atual opção do leilão do 5G como um caminho progressivo para tal acontecer, mas também outras abordagens, como o investimento imediato na garantia de níveis mínimos de acesso universal ou, enquanto tal não acontece, explorar a possibilidade de um programa de roaming nacional à imagem do que acontece com o roaming europeu.

Ainda vamos a tempo de fazer a diferença. Há que, por isso, tirar partido desta oportunidade única para construir, de uma vez por todas, o futuro hoje e fazer da acessibilidade digital um direito fundamental em Portugal.