Poderíamos começar pelo facto de as empresas estarem a ser obrigadas ao endividamento por causa da facilidade em contrair empréstimos e da não injeção direta de liquidez. Poderíamos começar pelo facto de os contribuintes estarem a ser colocados sob uma pressão financeira tremenda por se esquecerem de que adiamento de pagamentos não é o mesmo que amortização de pagamentos. Poderíamos começar por muita coisa.

Vamos começar pelo comportamento negligente do Estado para com os próprios cidadãos. Vasco Cordeiro, Presidente do Governo Regional dos Açores, suspendeu o transporte de passageiros entre ilhas por parte da SATA Air Açores, bem como de e para o exterior por parte da Azores Airlines. Logo à partida, questiono a constitucionalidade da medida implementada. O que aconteceu à continuidade territorial? No entanto, pior do que inconstitucionalidade é a mesquinhez de um veredicto anunciado de um momento para o outro e que nem deu margem para movimentações perfeitamente válidas.

Feliz foi o momento em que a soberania do Governo Nacional se impôs e em que a TAP Air Portugal continuou a garantir ligações patrióticas entre os Açores e Portugal Continental. Ou melhor, feliz foi o momento em que apenas os residentes da Terceira e de São Miguel puderam regressar a casa graças à TAP Air Portugal. As restantes sete ilhas continuam em isolamento. Os que estão de acordo com esta violação à liberdade de circulação não estão longe de casa. Todavia, não me parece que os outros partilhem desta opinião. Quem são os outros? Os estudantes açorianos que estudam em Portugal Continental, que não são da Terceira, que não são de São Miguel, que não têm aulas presenciais, que estão a pagar rendas em vão e que não podem regressar a casa porque não há ligações aéreas nem marítimas que o permitam. Os residentes açorianos que se deslocaram por motivos de saúde a Portugal Continental e cujas pernas foram cortadas sem que pudessem regressar a casa. Os cenários são muitos.

Já consigo ouvir os gritos que exclamam: Covid-19! Sei perfeitamente que a travagem de uma subida exponencial no número de casos confirmados é essencial para a não sobrecarga do Sistema Nacional de Saúde. Mas também sei perfeitamente que há alternativas à impossibilidade de as pessoas regressarem às suas ilhas. Como terceirense e, consequentemente, como privilegiada, consegui chegar a casa pela manutenção patriótica de voos domésticos por parte da TAP Air Portugal. Ainda cheguei numa altura em que se confiava nos cidadãos. Preenchi um questionário de avaliação de risco e deteção precoce, assinei uma declaração mediante a qual, se quebrasse a quarentena obrigatória de duas semanas, incorreria em crime de desobediência e fiquei isolada em casa durante o período estabelecido. A quem não cumpriu o seu dever e a sua obrigação, duas palavras: vergonha alheia. Deste modo, perante a impossibilidade de confiar nos cidadãos, a TAP Air Portugal continuou a voar, mas o Governo Regional implementou – e bem – novas medidas: a quarentena obrigatória passaria do domicílio a um hotel. Tudo bem. O preço a pagar para que os terceirenses e os micaelenses pudessem regressar a casa.

Agora, é imperativo que o mesmo preço possa ser pago pelos residentes do Corvo, do Faial, das Flores, da Graciosa, do Pico, de Santa Maria e de São Jorge. Como? Simples. Se a Azores Airlines, que, no entretanto, até já operou voos de repatriamento de cidadãos portugueses, brasileiros e cabo-verdianos, não puder, por ordem do Governo Regional, repatriar os próprios açorianos, há solução. A TAP Air Portugal realizaria o transporte de passageiros – agrupados por ilha – para a Terceira ou para São Miguel. Os passageiros seriam encaminhados para um hotel onde permaneceriam durante a quarentena obrigatória. Passado o período de tempo estabelecido, a SATA Air Açores, ou a frota ATR da TAP Express, caso o Governo Regional continuasse a zelar veementemente pelos açorianos, transportaria os passageiros para a ilha de residência. Para descargo de consciência, poderia ainda ser realizada uma segunda quarentena no domicílio. O mesmo procedimento seria repetido para cada ilha. Lá está, o preço a pagar pelo regresso a casa.

Os portugueses no estrangeiro têm regressado a Portugal Continental, os terceirenses e os micaelenses em Portugal Continental têm regressado à Terceira e a São Miguel, mas os restantes açorianos estão encarcerados a centenas ou milhares de quilómetros de casa, porque o Governo Regional, nivelando por baixo, escolhe o caminho fácil – fechar tudo tiranicamente e de um dia para o outro – em vez do caminho difícil – garantir o regresso controlado dos residentes deslocados.

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