Ao mesmo tempo que anunciava um programa de habitação que, entre outras coisas, pretende construir habitação estatal e municipal para a classe média o PS chumbava pela segunda vez a proposta de Carlos Moedas que visa isentar da cobrança do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) os jovens até 35 anos que comprem casa em Lisboa num valor máximo de 250 mil euros.

Boicote da esquerda a Carlos Moedas? Em parte. (Basta ler as reportagens-panfleto deste fim-de-semana sobre a manifestação que se dizia pelo direito à habitação para perceber que novas geringonças se estão a reconstruir numa espécie de frente anti-Moedas)

Mas o que leva o PS a estar contra esta isenção de cobrança de IMT que pode representar uma poupança de oito mil euros para quem compra um andar em Lisboa é muito mais profundo e transversal que a sua vontade de correr com Moedas. O que esta decisão do PS no IMT em Lisboa, tal como o fim das PPP na saúde e o fim dos contratos de associação nas escolas, nos vem mostrar é que  estamos perante o PS mais à esquerda de sempre. Um PS que está a destruir a classe média.

Guterres tinha a paixão da educação. Desapaixonou-se e fugiu do pântano.

Sócrates quis fazer um choque tecnológico. Acabou preso.

António Costa é um primeiro-ministro sem rasgo nem obra mas é um líder marcante na história do PS. O mais marcante desde Mário Soares.

António Costa garantiu ao PS anos de poder executivo com o pragmatismo manhoso de quem sabe que tem de dominar o deve e haver das contas certas em Bruxelas se quer manter em Lisboa um poder que promete devolver rendimentos enquanto decide cativações.

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Ao contrário daquilo que por aí se repete, António Costa não é o líder que ainda preserva os socialistas portugueses da deriva esquerdista representada por Pedro Nuno Santos. António Costa é sim o homem que levou o PS para a esquerda.

Há um PS antes e outro depois de António Costa. Antes de Costa a classe média era determinante para o PS. Agora está a deixar de sê-lo.

Quer dizer que o PS abdica daquele que foi uma parte significativa e preponderante do seu eleitorado, a classe média? Não. Quer sim dizer que a classe média é que já não é o que foi e o PS sabe disso, até porque concorreu muito para que assim seja.

Em Portugal, o salário mínimo tem crescido a um ritmo muito superior ao do salário médio “Isso significa que as classes que até então estavam mais estáveis e se sentiam mais protegidas, com expectativas de subida e reconhecimento e de melhoria económica, têm sofrido talvez mais até do que aqueles que estão na base da pirâmide social, que devido às políticas sociais têm sido mais objeto de atenção do que os setores intermédios”, alerta Elísio Estanque, autor do livro Classe Média – Ascensão e Declínio. Basta ver as imagens e os slogans dos protestos dos professores para percebermos o que é esse declínio: aquelas pessoas debatem-se com um problema que vai muito para lá dos seus salários baixos, eles confrontam-se com uma degradação da sua imagem social e profissional. Há alguns anos os professores eram vistos como classe média. Agora como uns funcionários desprestigiados.

A dependência do Estado – a que outrora a classe média acreditava nunca ter de recorrer – tornou-se agora o denominador comum a boa parte da sociedade: pobres, menos pobres, empresários, trabalhadores… todos dependem de apoios, subsídios e tarifas especiais. Temos até um grupo crescente que não pode aspirar a ganhar mais porque isso os levaria a perder os rendimentos que o estado lhes garante. Se o ordenado subir, ou se entrarem no mercado de trabalho, perdem a isenção das taxas moderadoras, a tarifa social da electricidade, vêem subir a renda da casa municipal… O estado social passou a socialista e o limbo do dependentismo substituiu a mobilidade social, esse valor indissociável da classe média.

Os valores em que a classe média se sustentava, independentemente de se de situar à esquerda ou à direita, fazem parte de um património centrista que agora está sob fogo. Pertencer à classe média era sinónimo de segurança. A poupança e a discrição que a classe média praticava por bom senso e por bom gosto não resistem à voracidade fiscal dos estados e à perseguição aos investimentos. Os museus, os livros, os filmes de que gostava, ou de que dizia que gostava, numa ânsia de se mostrar culta, são agora vasculhados em busca de marcas ofensivas para a minoria do dia. A esta perda de influência social e cultural junta-se a perda efectiva de riqueza. Nas últimas décadas, em vários países europeus, os ricos continuaram ricos ou tornaram-se ainda mais ricos. Os pobres viram a sua pobreza atenuada por políticas sociais generosas. Mas a classe média perdeu poder económico. Da França à Alemanha, da Bélgica ao Reino Unido, aquilo a que outrora se chamou classe média está a ser fustigada: “O meio desaparecido” escrevem os britânicos. “Declínio das classe médias” alertam os franceses. “Erosão” rotulam os alemães…

O resultado é semelhante onde quer que ocorra o fenómeno da perda de influência e de poder da classe média: sociedades mais radicalizadas e mais brutais. Num primeiro momento, alguns procuram escapar a essa brutalização do quotidiano migrando. Quem seguir a imprensa europeia dá de caras com uma espécie de movimento contínuo de gente que parte, declarando-se desencantada com o seu país natal, a que por sua vez chegam outros dizendo o mesmo do país que deixaram: são os franceses que vão para o Reino Unido ou para Portugal; os ingleses que vão para França; os alemães para a Suíça… Não procuram necessariamente melhores rendimentos. Procuram também viver segundo os parâmetros de civilidade que perderam nos seus países e que acreditam poder manter noutras geografias graças à sua condição de expatriados.

Será que depois do declínio das classes operárias chegou o ocaso da classe média? Tem de ser  assim? Não sei mas sei que, em Portugal, o PS tenta antecipar esse dia. Tarefa em que, como se viu na manifestação deste sábado em Lisboa, conta com a ruidosa ajuda da esquerda radical e de uma comunicação social que fala “marxês”. Se queremos discutir um futuro melhor para Portugal temos de nos libertar da discussão entre ricos versus pobres. Sim, temos de falar sobre a classe média.