Sou aforrista e não será necessário explicar as razões. Pessoas como eu, que subscrevem certificados de aforro, enquanto ainda o podem fazer, foram apanhados de surpresa quando, sem qualquer aviso prévio por parte do Estado, este cancela uma determinada Série que pagaria um juro bruto até 3,5 % acrescido 1% em prémio de permanência .

O consumidor tipo deste produto, que tem por função o incentivo à poupança com objectivo de financiamento interno do Estado, é a classe média. Este financiamento servirá em tese para a satisfação das necessidades do Estado.

Enquanto a banca não vai além do pagamento de uma taxa de 0,90% a quem lhes confia o seu dinheiro para empréstimo, é natural que o aforrista procure que as suas poupanças tenham o mínimo risco com a maior remuneração possível.

A decisão apressada e sem aviso prévio do executivo pode ter um determinado racional financeiro que passa pela diminuição da despesa em juros do endividamento.

O Estado, que se financia não só externamente como também internamente (entram aqui os certificados de aforro) tem um cargo com juros desse financiamento, como qualquer de nós tem, quando se financia externamente.

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Se taxa de juro a pagar está associada à Euribor a três meses, esta encontra-se muito aproximada aos 3,5 % pagos pelo aforro. Contas feita, a medida da suspensão da Série E, criando uma nova pagando menos ao aforrador terá um efeito positivo na redução da despesa do Estado efetuada através de financiamento sendo que esse pagamento, é feito por todos nós com os nossos impostos.

Correndo por aí a percepção de que o governo cedeu à banca na decisão do cancelamento na Série E nos certificados de aforro, parece claro que a tese não tem acolhimento. Seria assim se este instrumento de dívida pública pagasse de facto uma taxa de juro inferior àquela que se pratica pela banca.

Os aforristas vão continuar a subscrever certificados de aforro sempre que haja uma taxa superior à banca comercial.

Porém, a questão que hoje deveria ser discutida publicamente é de facto o “esforçozinho” na remuneração dos depósitos com o intuito de fazer crescer a taxa de juros a pagar pela poupança. Esta discussão poderia vir do próprio executivo.

Temos um banco público e somos todos acionistas dessa instituição financeira. A Caixa Geral de Depósitos, onde o Estado (contribuintes, leia-se) é o maior acionista, perdeu agora um dos melhores momentos para que o exemplo viesse ao cimo, incentivando o mercado à subida da remuneração da poupança, fazendo assim crescer a concorrência.

A taxa média da remuneração de depósito na Zona Euro situa-se nos 2,44%. Ou seja, 2,7 vezes superior ao que os bancos nacionais pagam pelas poupanças das famílias portuguesas.

Ora, em Portugal, ataxa média dos depósitos está nos 0,9% e continua a ser a segunda mais baixa da Zona Euro.

A banca, já em 2019, foi condenada pela Autoridade da Concorrência (AdC) na ordem dos 225 milhões de euros por entre si partilhar informação de crédito.

Onze bancos foram acusados pelo Ministério Público à data.

Se assim foi, não será legítimo também pensar-se que a taxa de juro paga não é combinada de igual forma, como foi no passado recente, nas condições da concessão de crédito ?

Ficará a reflexão para a Autoridade da Concorrência e para o Banco de Portugal que deveriam averiguar, como entidades que tutelam as instituições financeiras, se de facto há, ou não, algum ilícito neste comportamento, onde quase todos bancos pagam pelos depósitos a mesma taxa de juro.

Enquanto a banca não incentivar a poupança através do próprio banco do Estado, deixará transparecer que há um grave problema em Portugal na concorrência entre bancos na remuneração de depósitos.

Se assim não é, assim parece ser. Não existiu nenhuma cedência à banca na suspensão da Série E em certificados de aforro como muitos querem fazer crer, mas desconfio que não se investiga aquilo que se deveria investigar.