Os novos e admiráveis meios tecnológicos de informação e comunicação têm algo de terrível, quase mesmo diabólico, a começar pela astúcia da sua inegável utilidade.

Se muito não erramos, era Baudelaire quem dizia ser exactamente essa a maior astúcia do Diabo, fazer-nos crer não existir.

Sim, talvez fosse Baudelaire, talvez não _ não temos já exacta memória…

Não temos?…

Google: «Baudelaire a maior astúcia do diabo» …

Pois, afinal não estávamos assim tão desmemoriados: «La plus belle des ruses du Diable est de vous persuader qu’il n’existe pas!», Spleen de Paris.

Muito bem, mas o que tem tudo isto a ver ainda com o maldito petróleo e a muito actual sanha anti-emprearial?

Nada, directamente. Um pouco, apenas, indirectamente.

Acontece que, há alguns dias, alguém nos chamou a atenção para um Programa de Fátima Campos Ferreira, o conhecido Prós e Contras, do início de Setembro, em que o tema em discussão havia sido a questão de Aljezur e do respectivo furo de prospecção de Petróleo, muito contestado por uns e defendido por outros, como nós.

Foi então que nos lembrámos da frase de Baudelaire.

Com os novos e admiráveis meios tecnológicos de informação e comunicação, de algum modo, toda a nossa passada existência se torna perfeitamente registada, desde quanto fizemos quando e onde, até quanto dito ou escrito, tornando-se sempre possível tudo rememorar, ou seja, nada esquecer. Ora, se tudo é passível de exactamente rememorar, tudo tornar sempre de novo presente, sem esquecimento algum, isso não tem algo de diabólico, ou seja, tornar irremissível e imperdoável todo o passado, todo o perdão, uma vez implicar o perdão, de algum modo, sempre um certo esquecimento?

E foi exactamente com esse algo melancólico pensamento que lá partimos para ver, naqueles estranhos rectângulos planos a que chamamos televisão, os muito enérgicos fantasmas de Fátima Campos Ferreira e dos seus convidados, Pedro Sampaio Nunes, Amílcar Soares, Júlia Seixas e, pontificando acima de todos, muito acima de todos, a mais notável personalidade de Ricardo Pais Mamede, falando, gesticulando e agindo numa ilusão perfeita de perfeita realidade, ou seja, como se em muito efectiva e actual realidade tudo estivesse, de facto, a ocorrer.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Muito admirável novo mundo tecnológico este em que vivemos. E sim, independentemente de tudo o mais, dispondo e disponibilizando meios de uma utilidade inegavelmente única, como no caso em que o Programa valeu realmente a pena ser atentamente visto, mesmo quase três meses depois de realizado, como referido ou já suspeitável, acima tudo, pelas notáveis declarações de Ricardo Pais Mamede ao retirar, antes de mais, e mesmo algo inesperada e surpreendentemente, toda a carga ambientalista à oposição ao furo de Aljezur, para tudo colocar num plano estritamente económico-financeiro.

Ao invés da grande maioria de outros opositores conhecidos, Ricardo Pais Mamede não defende e advoga como primeira prioridade a transformação do Algarve numa espécie de grande latifúndio Amish mas repudia e manifesta-se absolutamente contrário à prossecução da prospecção e eventual subsequente exploração de Petróleo ao Largo de Aljezur, por considerar, em grande síntese, independentemente de outras questão mais técnicas e especiosas: a) ser uma ilusão esperar qualquer benefício directo da mesma exploração uma vez, no seu entender, nas condições propostas, o Petróleo não ser nosso; b) existindo Petróleo e avançando-se para a fase de exploração, por ser permitido ao consórcio ressarcir-se integralmente dos custos de investimento antes mesmo de proceder a qualquer distribuição de lucros; c) por ficarem os pagamentos ao Estado ao longo do período de concessão e exploração muito aquém do que, de acordo com as suas contas, devia ocorrer.

No que respeita ao primeiro argumento, confessamos temer não conseguir seguir na perfeição o muito alto raciocínio, embora, por tudo quanto atentamente ouvido, admitamos ser legítimo e correcto sintetizar do seguinte modo: o Petróleo extraído não se destina imediatamente ao mercado nacional mas será vendido no mercado internacional, aos preços do mesmo mercado internacional onde  continuaremos a adquirir o Petróleo aos preços que o mesmo mercado continuará a impor, não se reflectindo assim, por consequência, o facto de passarmos a explorar Petróleo em Portugal, em qualquer baixa de preços no mercado nacional dos produtos derivados do mesmo Petróleo, com especial destaque, evidentemente, para os combustíveis, assim não se justificando também, em conclusão, prosseguir com a prospecção, nem, muito menos, vir a avançar para qualquer fase de eventual efectiva exploração, por manifesta ausência de qualquer reflexo e imediato benefício dessa possível exploração no preço dos combustíveis, primordialmente, no mercado nacional.

Se não tivermos interpretado mal e este for mesmo o raciocínio, não nos surpreenderá ouvir Ricardo Pais Mamede defender em breve o fim da Autoeuropa, uma vez provado os respectivos automóveis estarem a ser vendidos em território nacional a preços de acordo com o mercado internacional, sem qualquer muito especial atenção aos nossos muito específicos interesses e necessidades, de modo a permitir-nos assim considerá-los, por consequência, efectivamente, como nossos, única razão que, aparentemente, justificaria, e justificará, verdadeiramente, a existência de uma Autoeuropa, pouco mais servindo senão, quem sabe, para o aumento da precaridade do emprego no porto de Setúbal.

No que respeita ao segundo argumento, já não tememos tanto não conseguir seguir o não menos elevado raciocínio, assim como em relação ao terceiro, uma vez decorrerem ambos da prevalecente sob suspeita em que sempre se encontra toda actividade empresarial em Portugal, assim como toda a livre iniciativa ou a também mais comumente designada iniciativa privada, em grande medida perfilhada, inclusive, pelo actual Governo, embora algo mitigada, por vezes, por táctica necessidade, como sucede neste caso específico da possível exploração de Petróleo ao Largo de Aljezur.

Todavia, em Portugal, ao contrário do que seria eventualmente de esperar, não se afigura entender-se que o Estado, para além das suas naturais funções regalistas, só deva exercer uma função supletiva em termos económicos, da indústria à Saúde ou mesmo Instrução, hoje mais pomposamente dito e definido como Sistema de Educação,  mas inversamente, ser essa mesma supletiva função cometida à designada iniciativa privada, à qual lhe é permitida qualquer veleidade de mínima iniciativa apenas onde e quando o Estado não puder, não quiser ou entender não ser do seu interesse por si só ou em parceria, a tal se abalançar.

Quando se entende que cumpre ao sacrossanto Estado a primordial função de reengenharia social e se confunde, ainda por cima, Justiça com o absurdo ideal de uma suposta mesma igualdade material para todos, há coerência de raciocínio, mas, evidentemente, com nefastas, ou mesmo dramáticas consequências para a economia e, mais ainda, para a saúde mental da nação.

Choca que o consórcio só venha a pagar dividendos sobre os lucros, independentemente dos valores pagos pela concessão, depois de ressarcido dos investimentos realizados, i.e., quando entrar verdadeiramente numa fase de lucro? Então não haja surpresa se, mais dia menos dia, nos depararmos com a criação de uma qualquer «taxa de equilíbrio social», paga à cabeça, no momento de constituição de uma empresa, eventualmente progressiva, tendo em atenção os investimentos projectados e os eventuais lucros futuros, facilmente acomodável, evidentemente, no respectivo plano de negócios da nova empresa como apenas mais um custo de investimento inicial, entre outros

Quanto aos pagamentos a serem realizados posteriormente, ao longo da fase de exploração, se é pouco ou não, não estamos tão certos, mas talvez não fosse completamente errado ver se estão em linha com os mais comuns padrões e práticas internacionais em casos semelhantes, o que se afigura, devemos dizer, suceder.

Tudo isto poderá parecer uma questão menor, mas quando percebemos como estas perspectivas são, de facto, hoje prevalecentes e profundamente nefastas, ou mesmo dramáticas, ao desenvolvimento económico e saúde mental da nação, como referido, importa dar mais atenção aonde tudo isto também conduz.

Estando toda a livre iniciativa sob suspeita, sendo sempre vista toda a despesa do Estado como virtuosa e todo o lucro empresarial como iníquo, ou muito próximo disso, afigura-se justo tirar o máximo possível a «quem acumula» para dar a quem necessita ou se entende, de acordo com o livre arbítrio do Governo, necessitar.

Mas que sucede quando se retira 1€ dos lucros de uma empresa?

A empresa fica com menos 1€ para reinvestir, para expandir o negócio, pagar melhor aos seus colaboradores, ou ainda, simplesmente, proceder a um depósito numa qualquer instituição financeira.

Podendo reinvestir e expandir o seu negócio, tal não deixaria de significar um aumento de produção e oferta, assim como, sendo o caso do aumento da remuneração dos seus colaboradores, para além de alguns prováveis efeitos de melhoria na produtividade pela satisfação da eventual recompensa, assim como o correlato aumento de poder de compra dos seus colaboradores não deixaria de ter igualmente possíveis efeitos benéficos na economia, o que, nesta situação, indo o lucro para o Estado, se torna impossível suceder, bem como qualquer possível reinvestimento indirecto no lançamento ou expansão de quaisquer terceiras empresas, a ser realizado por via da concessão de crético concedido pela dita instituição financeira, caso o tal depósito viesse a ser efectuado, o que, tudo somado, não deixaria de conduzir igualmente a um aumento certo da riqueza nacional, eventualmente, até com efeito multiplicador.

Retendo esse 1€, o Estado, por seu lado, paga, antes de mais, à cabeça, a máquina administrativa montada em ordem à cobrança desse mesmo 1€ e a todos os funcionários encarregues de avaliarem, estipularem e determinarem o modo, forma e respectivos destinatários da sua subsequente redistribuição, não já desse mesmo 1€, mas de uma quota parte desse mesmo 1€, uma vez deduzidos todos os custos inerentes a todo esse longo e complexo processo, cumprindo assim, todavia, a sua muito autoproclamada elevada função de justiça social e sempre crendo conduzir também, pela entrega de uma quota parte desse mesmo 1€ inicial, ao estímulo da economia por via do consumo.

Não deixa de ser potencialmente real esse estímulo à economia por via do consumo mas, encontrando-se o mercado em equilíbrio, tendo sido diminuída a capacidade de expansão das empresas e da sua capacidade de responderem agilmente às respectivas, sendo esse estímulo ao consumo efectuado por via exclusiva da reengenharia social, o verdadeiro efeito só pode ser um, levar a um aumento das importações para satisfazer um aumento de procura impossível de satisfazer, nessas condições, por similar aumento de oferta inerna, conduzindo assim, por consequência, em tal circunstância, igual e inevitavelmente a uma diminuição da riqueza nacional.

Simplificamos, evidentemente, mas, na essência, é exactamente isto que se passa e o que mais custa é que, sendo de tão meridiana evidência, mercê do condicionamento e enviesamento mental anti-lucro e anti-empresas em que nos encontramos, parece passar, na grande maioria das discussões, completamente despercebido, a par de uma incompreensível visão, aparentemente, completamente estática do mundo, como se tudo quanto aí está fosse exactamente quanto aí para sempre quedará, exactamente como está, ou pouco mais.

Ainda recentemente, a Galp, uma das entidades, em conjunto com a ENI, parte do consórcio concessionário para a prospecção e possível exploração de Petróleo ao Largo de Aljezur, apresentou, na I Portugal Shipping Week, o seu projecto de produção e fornecimento de combustível com teor de enxofre inferior a 0,05%, a ficar completamente concluído e plenamente operacional, tal como imposto pela IMO, a partir de Janeiro de 2020.

Um feito notável que não deixou de exigir e implicar, com toda a certeza, significativo investimento em Investigação & Desenvolvimento.

Admitamos agora, por absurdo e algum exagero, mas não necessariamente muito, dada uma excessiva carga de impostos, tendo em vista a correspondente redistribuição do respectivo valor de acordo com os seus muito altos critérios de justiça social, não ter o Estado permitido à Galp reter os lucros que lhe permitiriam investir nesse mesmo projecto, daí não resultaria senão, sendo impossível à Galp encontrar novos investidores para o projecto, uma enorme perda para Portugal, não apenas em imediatos termos económicos como científicos, técnicos  e até mesmo de prestígio internacional, aspectos que, de uma forma ou outra, não deixam nunca, mais directa ou indirectamente, mais imediata ou mediatamente, de representar e vir a reverter igualmente num significativo aumento de riqueza nacional,.

Mais gravemente, essa tendência para tudo ver de forma estática, hoje tão espalhada, é também quanto tem impedido de se atender devidamente às designadas externalidades de um projecto como o de prospecção e eventual exploração de Petróleo ao Largo de Aljezur, ou seja, como uma oportunidade quase única para começarmos a desenvolver, a sério, novas competências na área do offshore, como é vulgarmente designado, seja no desenvolvimento de novos navios, novas plataformas, robótica, o mais variado tipo de sofisticados dispositivos e sensores, novas ferramentas e até mesmo de desenvolvimento de novas competências em termos de protecção ambiental marinha.

Assim se avançando, haverá, evidentemente, não apenas um imediato ganho económico mas, muito mais importante do que isso, a aquisição de uma mediata vantagem competitiva e estratégica da maior importância, eventualmente crucial mesmo, para quando a mineração em mar profundo for já uma inelutável realidade.

A futura mineração em mar profundo é uma inevitabilidade tanto porque muitos dos principais minerais indispensáveis à vida moderna, tal como a conhecemos, estão a esgotar-se em terra, assim como as reservas de alguns outros, como as Terras Raras, por exemplo, indispensáveis ao fabrico de muitos dos já mais comuns dispositivos da actualidade, de um simples telefone móvel aos veículos eléctricos até aos mais sofisticados sistemas de armas, são detidos por poucos países, como neste caso específico, entre 90 a 95% de todas as reservas actualmente conhecidas se encontrarem na China, admitindo-se, no entanto, de acordo com os estudos já realizados, existirem e dispormos igualmente das mesmas Terras Raras na nossa Plataforma Continental.

Nesse enquadramento, determos uma efectiva capacidade científica e técnica para avançarmos nesse sentido, para a mineração em mar profundo, não será apenas uma enorme vantagem económica como estratégica, correndo o risco, se tal não suceder, não apenas de sermos completamente ultrapassados como perdermos até mesmo, inclusive, a possibilidade de algum dia recuperarmos do eventual atraso por ocupação por terceiros do espaço que deixarmos vazio ao não mostrarmos efectiva capacidade para devidamente o defender e ocupar.

Dir-se-á a actual situação de suspensão do furo de prospecção não se dever senão ao diferimento da Providência Cautelar interposta pela Plataforma Algarve Livre de Petróleo, ou seja, inteiramente dependente dos tribunais e não do Governo que, pela separação de poderes existente, e ainda bem, nada poder fazer, para além de contrapor os argumentos que justificaram a decisão de dar luz verde ao projecto.

Assim será, mas não deixa de ser igualmente importante não esquecer que este ambiente anti-empresarial que hoje se vive também tem sido incentivado por este Governo e, muito em especial, pelos Partidos seus apoiantes, bem como, mais gravemente, a actual situação em relação a Aljezur ter precedente e não deixar de vir na sequência do incompreensível recuo na possibilidade de prospecção e eventual exploração de Gás Natural ao Largo do Algarve, por cedência a contestações, quanto a nós,  tão sem sentido, ou ainda menos, quanto as actuais em relação ao petróleo.

As repercussões de erradas decisões, de erradas perspectivas e erradas atitudes, nem sempre se manifestam de imediato, é certo, mas sobrevêm sempre, mais cedo ou mais tarde, mesmo quando já menos se espera.

É preciso saber ver para além do imediato.

Entretanto, como é sabido, o consórcio ENI/Galp já anunciou a desistência do projecto. Uma pequena contrariedade para o consórcio? Com certeza, mas, para Portugal, eventualmente, muito pior do que isso, talvez mesmo um grande rombo.

E o que mais surpreende é que tudo isto não só pouco surpreende como, talvez até mais gravemente, passa praticamente sem reacção, sobretudo em termos políticos, como se já esperado e absolutamente normal, como se completamente dominados já por uma má consciência em relação a toda a iniciativa empresarial, fruto dessa actual estatismo e sanha anti-empresarial que tudo controla, esmaga e corrompe, mais não haja a fazer senão aceitar que assim seja.

A persistirmos nessa via, porém, fácil é deduzirmos o desastre a que iremos ser inevitavelmente conduzidos, sendo a questão a formular igualmente muito simples: quão dispostos estamos, afinal, a deixarmo-nos placidamente conduzir a tal desastre?

Director do Jornal de Economia do Mar