Mais uma audição pública sobre habitação na Assembleia Municipal de Lisboa, desta feita especificamente reservada às velhacarias do Alojamento Local (AL). Alguns proprietários; o presidente da ALEP (Associação do Alojamento Local em Portugal); o indisfarçável académico de ciências sociais; e vários presidentes de Junta dos bairros antigos de Lisboa. No fim do debate, e perante a incredulidade da assistência, as acusações somavam três. Vejamos.
1 O AL fez subir o preço do metro quadrado nos bairros históricos
Claro que o preço por metro quadrado de edifícios reabilitados é superior ao dos edifícios em ruínas. O argumento é tanto mais espantoso quanto foi solenemente apresentado pelo sábio da FCSH, que precisou de uma investigação académica para chegar a esta epifania: o preço por metro quadrado subiu. Mas não chegou a compreender o motivo nem se interessou por investigar. A falta destas formalidades não o impediu de avançar intrépido contra o Alojamento Local, enroupando em autoridade “científica” e enquadramento teórico a nobre missão de perseguir uma actividade económica. Esta é a universidade e os investigadores que andamos a sustentar.
2O AL tem vindo a expulsar as pessoas dos bairros históricos
Falso. Se é verdade que os bairros históricos vêm perdendo população, as pessoas já saem há muito tempo. Na verdade, há décadas. Lugares de pobreza e de uma população envelhecida, os habitantes foram morrendo. E os filhos não quiseram ficar. Em parte pelas condições, mas também pelo estatuto social: nestes bairros, 30% das casas tinha uma área igual ou inferior a 30 metros quadrados, segundo o censos 2011 (antes da entrada em força do AL). Era em casas destas que a esquerda gostava de manter “protegidas” as populações. Em edifícios arruinados, sem condições de higiene ou segurança, muitos deles sem casas de banho e com uma única prumada de descarga para o edifício inteiro. Dizer que se morava ali era compreensivelmente incómodo, o nome daqueles bairros trazia um embaraço de inferioridade. Quem conseguia sair não queria voltar.
3O AL veio atropelar a identidade cultural dos bairros históricos
A “identidade” dos bairros históricos, agora tão subitamente encarecida, era uma abominável pobreza. Eram as mercearias de embrulhar a marmelada em meia folha de papel manteiga. Eram as tabernas com o chão coberto de serradura e manchas de vinho, onde as mulheres não entravam e os homens caíam de borco, miseráveis e bêbados. Esta “identidade” que vive no peito republicano e laico da nossa querida esquerda nem sempre se expressa da mesma maneira. Se alguém fala na “identidade” dos bairros onde se instalaram imigrantes da Índia, do Paquistão, ou do Bangladesh, logo um exército de colunistas, língua de fora e letrinha redonda, se agitam nas páginas dos jornais do regime contra a xenofobia. Mas se for para “proteger” a “identidade” dos bairros contra os turistas suecos ou coreanos, a xenofobia não só passa a ser aceitável como se transforma num sinal de virtude.
Ou seja, nenhum destes três argumentos é verdadeiro, e apenas mostram a demagogia e a má-fé da esquerda perante o Alojamento Local, mentindo sabendo que mente. E os presidentes de Junta que usam estes argumentos para seu benefício não querem saber do preço por metro quadrado, nem da “expulsão” das pessoas, nem da “identidade” cultural. Estão preocupados porque a renovação dos bairros históricos lhes tira eleitores. E apontam a culpa ao Alojamento Local. Porquê? Ressentimentos velhos que moram no fundo do coração. Eles detestam e desprezam os pequenos comerciantes porque simbolizam a autonomia dos indivíduos perante o Estado; e a esquerda, para governar, precisa de cidadãos dependentes.