As manifestações e os protestos que “abarrotaram” o Reino Unido entre Julho e Agosto deste ano tiveram muitas razões sociais e culturais. Entre essas razões sociais está o aumento da criminalidade. As razões culturais passam, por exemplo, pela excessiva presença de mesquitas, como as atividades de culto nas mesmas podem perturbar a ordem pública, e pela vulgarização dos casamentos infantis.

Contudo, as reações à imigração em massa também nunca dispensam fundamentos económicos. O jornalista e autor Douglas Murray alertou, recentemente, para a propensão que algumas áreas mais atingidas pelo desemprego, pela subsidiodependência e pela instabilidade económica da Inglaterra têm para serem palco de manifestações reativas à imigração. Murray revela-se confiante de que existem estudos consecutivos que demonstram que a imigração pode colocar severamente em causa o emprego local e que a situação piora ainda com a inevitável pressão na oferta de habitação. Sei do que Murray fala e aproveitarei para sumariar algum conteúdo de uma das obras da demógrafa francesa Michèle Tribalat, que recorre aos debates americano e britânico precisamente para explicar que a ciência está do lado daqueles que sugerem alguma cautela quanto à aposta na imigração, enquanto remédio para situações de níveis de desemprego significativos.

No seu artigo “The Unfashionable Truth About the Riots”, publicado a 10 de Agosto, na revista The Spectator, Douglas Murray revela-nos as estatísticas de (des)emprego de alguns municípios que, segundo ele, foram palco das manifestações mais impetuosas de toda a Grã-Bretanha: Sunderland, no condado de Tyne and Wear e, aproximadamente, 15 km a sudeste de Newcastle (upon Tyne); Rotherdam, no condado de South Yorkshire e perto de Sheffield; Hartlepool, no condado de Durham.

Terei as análises de Murray como referência. Em Sunderland, o número de beneficiários de subsídio de desemprego cresceu um ponto percentual (de 18 para 19%). Nos outros dois municípios, houve um aumento de pelo menos dois pontos percentuais da taxa de desemprego (de 16 para 18%, em Sunderland, e de 21 para 23% em Hartlepool). Segundo Murray, estes três municípios registam uma tendência que representa a totalidade daqueles em que as manifestações foram mais cristalinas: um aumento da taxa de desemprego e dos dependentes do subsídio de desemprego (mais uma vez, se tivermos 2011 como ponto de partida).

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De acordo com Murray, desde a crise financeira de 2008 que os executivos britânicos têm aplicado um modelo (algo uniforme) de criação de emprego, modelo esse que nunca passou pela melhoria na educação e pelo aumento dos incentivos e da oportunidade de emprego nas áreas “esquecidas” da Grã-Bretanha. Em vez disso, esse modelo baseou-se na resposta fácil e completamente imprestável a longo prazo, que é a atribuição de visas a imigrantes para que viessem para a Grã-Bretanha e que ajudassem a sustentar a retórica de que, precisamente por estarem a preencher lugares no mercado de trabalho, o emprego estava a crescer. Segundo Murray, duas evoluções são destacáveis: a mão-de obra estrangeira, em 2011, representava 14% da força de trabalho da Grã-Bretanha, enquanto já representava 21% em 2023; do aumento de 3,6 milhões de empregos, entre 2011 e 2023, 74% foi de empregos de imigrantes. Murray defende a tese de que este crescimento não é completamente inclusivo: “Este tipo de migração beneficia o migrante (naturalmente) mas não faz quase nada para melhorar a verdadeira economia”.

Na verdade, estamos habituados a ouvir de “especialistas” que a imigração é inequivocamente enriquecedora para os países acolhedores e que estes últimos só se autoinfligem se recusarem permitir um fluxo de imigrantes. Os defensores da total (ou quase total) livre circulação de pessoas argumentam que os imigrantes contribuem sempre para criação de empregos e para o alívio dos indicadores relacionados com a atividade laboral. Mas será que isto corresponde à verdade?

A demógrafa francesa e investigadora, no Institut National d’études démographiques (INED), Michèle Tribalat não deixa escapar muitas ilusões. Ainda em 2008, na sua obra Les yeux grands fermés (L’immigration em France), Tribalat opinou que, na Europa, “o debate científico” sobre imigração, salários e emprego era à altura “menos exigente e mais atrasado – excepto, talvez, no Reino Unido”. Irei referir aqui quatro estudos a que essa autora francesa aludiu no capítulo sobre o impacto económico da imigração, principalmente no que concerne à Europa.

Entrevistas e memorandos e outra informação disponíveis no site do parlamento britânico, referidos nesta obra de Tribalat, sugeriram um efeito negativo (ainda que pequeno) da imigração sobre os trabalhadores com salários mais baixos no Reino Unidos e um pequeno efeito positivo sobre os rendimentos dos trabalhadores com salários mais elevados. Segundo um memorando de 2007 do Conselho Municipal de Slough, publicado em Abril de 2008 no site do Parlamento britânico (“The Economic Impact of Immigration: Evidence”), dentro da comunidade paquistanesa deste município, alguns sentiam que estavam a ser substituídos por polacos que têm melhores qualificações e que estão dispostos a trabalhar por salários mais baixos”. Durante uma audição, o Professor David Blanchflower pronunciou-se sobre as suas próprias revisões de conclusões anteriores e de pesquisas da altura e disse que os imigrantes dos mais recentes estados-membros da UE (provavelmente referir-se-ia à República Checa, ao Chipre, à Eslováquia, à Eslovénia, à Estónia, à Letónia, à Lituânia, a Malta, à Hungria e à Polónia, que aderiram à UE em 2005) que aceitaram empregos não qualificados, embora fossem eles próprios bastante qualificados, contribuíram para a redução dos salários dos trabalhadores menos qualificados do território destinatário, mesmo que o efeito não tenha sido enorme. Os empregadores, ao que parece, também se aproveitaram da falta de informação dos imigrantes sobre os seus próprios direitos para “fazerem batota” com o salário mínimo.

Segundo um estudo publicado em 2008, mais uma vez referido por Tribalat, e disponível no site oficial do Federal Reserve Bank of Boston, verificou-se um efeito modesto, mas significativo sobre o salário médio dos nativos, sendo que os mais afectados pela queda salarial observada foram os menos qualificados. Este estudo recorreu ao método das correlações espaciais e detalhou os tipos de actividades ocupadas por imigrantes e nativos em onze regiões durante um período de catorze anos (1992-2006). Relembremos, através do contributo do Professor Blanchflower, que os imigrantes, quando chegam ao país destinatário, são obrigados a trabalhar abaixo das suas qualificações reais, o que pode tornar a classificação baseada nos níveis educacionais (dos nativos, dos imigrantes e dos setores de atividade) algo adversa para chegar aos resultados. Logo, os nativos pouco qualificados têm como concorrentes não só os imigrantes pouco qualificados, mas também os imigrantes qualificados que se desvalorizam para trabalhar, como era o caso, na primeira década do século XXI, de muitos imigrantes dos países da Europa de Leste que, há pouco tempo, tinham aderido à UE.

Em vez de se basearem numa classificação de acordo com as qualificações reais, os autores deste estudo analisaram o efeito dos imigrantes com base na proporção destes nos diferentes percentis da distribuição salarial dos nativos. Aqui, certamente que receberam influência do Professor George J. Borjas, dos EUA, que já havia, no âmbito da sua investigação, relativizado os níveis educacionais e das experiências profissionais. Neste caso, levaram essa relativização ainda mais longe.

Deste estudo, três conclusões principais podem ser extraídas: os que, no país de acolhimento, perdem com a imigração são aqueles que enfrentam a concorrência mais forte dos imigrantes; são os nativos da base da escala salarial que veem os seus salários caírem devido à imigração; os nativos dos outros intervalos salariais assistem a uma ligeira subida dos seus salários. Isto tudo apesar de a imigração poder ser mais qualificada do que a população nativa. A terceira conclusão, relativa ao efeito positivo sobre os salários, explica-se, segundo os autores, pela elasticidade do capital, pela sua fácil adaptação a um aumento da procura de trabalho e pela ”desclassificação” (aceitarem empregos abaixo do próprio nível de qualificação) dos imigrantes.

O Professor Barry R. Chiswick, professor na Universidade de George Washington, trouxe importantes contributos para o debate sobre o impacto económico da imigração e mostrou como este tende a ser prejudicialmente simplificado. Para Chiswick, é necessário não esquecer que o impacto referido depende justamente das características dos migrantes e da economia do país anfitrião. Por um lado, a imigração altamente qualificada reduzirá tendencialmente as desigualdades salariais e contribuirá para uma maior sustentabilidade das finanças públicas. Estes imigrantes altamente qualificados trazem conhecimentos científicos e novas ideias que beneficiam a economia. Por outro lado, a imigração pouco qualificada favorece o aumento da desigualdade de rendimentos, a concentração de rendimentos, em pessoas altamente qualificadas e empregadores, e o aumento ao recurso ao sistema de assistência social, por residentes pouco qualificados que competem com imigrantes do mesmo nível de qualificações, o que aumenta o fardo sobre as finanças públicas.

Pensando no contexto norte-americano, o trabalho de Chiswick (que colaborou já várias vezes com o seu colega, Professor George J. Borjas) também aponta o aumento da imigração de trabalhadores pouco qualificados como um dos factores que esclarece a estagnação dos salários reais dos trabalhadores pouco qualificados, ao longo da década de 1990 e de 2000, nos EUA, durante o mesmo período no qual o rendimento real dos trabalhadores altamente qualificados variou em sentido contrário, isto é, aumentou. Mesmo que os efeitos opostos da imigração pouco qualificada sobre os salários, em função da qualificação, acabassem por ser compensados, isso seria pouco consolo para os nativos pouco qualificados na vida real.

Visto isto, Chadwick tem o mérito de nos convidar à cautela relativamente às medidas globais que façam pouca ou nenhuma distinção das qualificações, e adverte contra transposições temporais que continuam a atribuir à imigração virtudes demonstradas noutras épocas. Chadwick certamente se identifica com as seguintes palavras do Professor Borjas: “A entrada de trabalhadores não qualificados durante a primeira grande migração provavelmente facilitou o processo de industrialização e aumentou enormemente o valor do capital físico utilizado na altura. Em suma, só porque a admissão de imigrantes pouco qualificados há cem anos beneficiou os Estados Unidos, isso não significa que o mesmo tipo de imigração iria beneficiá-lo hoje”. E Chadwick poderá acrescentar que as diferenças entre economias e tipos de imigrantes recebidos sugere que, para além das transposições temporais, as transposições de país para país também podem trazer lacunas na análise. Por último, a questão das desigualdades salariais (que, como vimos, tende a ser agudizada pela imigração não qualificada) tem agora muito mais importância na opinião pública do que numa época em que havia necessidade de mão de obra pouco qualificada, como no período pré-I Guerra Mundial.

Concluindo, ditados como “os imigrantes criam empregos” e “precisamos de imigrantes para a nossa economia” não consolam as pessoas que vivem nos municípios que mais os atraem e que deixam a eles próprios para trás, entretanto substituídos pelos imigrantes que a elite política tanto chamou. Ao lado do crime e da descaracterização do Reino Unido, pelo menos alguns dos manifestantes de Julho e de Agosto de 2024 certamente que elegeram as desvantagens para as economias locais que a imigração traz como razões para irem para as ruas e exigirem mais da classe política britânica. Eles é que sofrem com a ingenuidade, a insensibilidade e a fé na livre circulação de pessoas dos governantes britânicos.