A vitória eleitoral de Donald Trump produziu imediatas repercussões gravíssimas pela Europa. Uma das mais relevantes terá sido Ana Gomes a abandonar uma rede social. Anunciou-o com pompa, através de catastrofista crónica no Público, coassinada por Bernardo Ferro e Lucas Manarte, sujeitos que sem menosprezo desconheço, bem como as razões pelas quais se juntaram, suponho que por amizade. Como razão para baterem com a porta, e apelarem a todos a que façam o mesmo, alegam que “para além de doar mais de 110 milhões de dólares à campanha de Trump, Musk pôs a rede X e os seus mais de 600 milhões de utilizadores ao serviço do candidato vencedor, amplificando as suas mentiras, acirrando o ódio à candidata rival e limitando a disseminação de posições contrárias ou alternativas.”

Qualquer pessoa imune à hipnose mediática entende instantaneamente a palpável ironia desta indignação de Ana Gomes. As redes sociais e os media corporativos têm-se dedicado exclusivamente à arte de amplificar mentiras e limitar a disseminação de posições contrárias ou alternativas. Quanto ao “acirrar ódio à candidata rival”, só dá para gargalhar: o uníssono jornalístico na repulsa a Donald Trump, moldando decisivamente a opinião pública com spins e mentiras, roça o totalitário.

Daqui provém, por certo, grande parte desta frustração de Ana Gomes e seus pajens: ainda que esse processo – por via da demografia geriátrica e intrínseco servilismo – seja mais lento em Portugal, a Comunicação Social vai manifestamente perdendo a sua relevância e influência. Aconteceu pelo inverso do que Ana Gomes argui: a internet democratizou o debate e amplificou as vozes divergentes, alargando o espectro informativo e opinativo. A comunicação social ficou assim exposta como parcial, propagandista, autista e submissa a interesses contrários aos manuais de deontologia. Ana Gomes, e todos os filhos do sistema corrompido, estão a ter muita dificuldade em engolir que essa mudança de maré seja reflectida no Twitter, agora X (que é, confessadamente, um péssimo nome, que se perde na tradução – ainda não sabemos se que lhe chamamos “ecse” ou “xis” – e com indícios, até pelo logótipo, de uma app com outro tipo de serviços menos cândidos).

Não me limito a apontar gratuitamente a hipocrisia de Ana Gomes, sustento-a com óbvios exemplos. Peguemos no meu tema predilecto: a fraude do século, a pandemia do medo, dos panos na cara e dos hospitais vazios. Durante a criminosa campanha do pânico, os maiores veículos de desinformação e propaganda, os jornalistas, foram culpados de todos os pecados que Ana Gomes imputa agora a Elon Musk. Para piorar – num atestado de analfabetismo aos seus consumidores – começaram a arrogar-se o direito de discernir por eles aquilo com que poderiam ou não ser confrontados. E, com base nessa inclinada sentença, factos começaram a ser censurados de forma explícita e admitida.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As redes sociais, cuja manipulação parece agora fazer Ana Gomes e seus escudeiros perder o sono, abraçaram essa censura – e não foi um mero caso de legítimo direito de admissão de empresas privadas, como os apologistas da censura gostam de alegar. Mark Zuckerberg admitiu recentemente ter sofrido pressões da administração Biden para censurar os conteúdos relativamente à Covid que não afinavam pelo diapasão da agenda opressora. Sabemos de casos de cidadãos que tiveram as contas limitadas, bloqueadas ou linearmente apagadas por constatarem realidades que hoje são admitidas de boca cheia como se tal acossamento nunca tivesse existido.

Como é óbvio, para Ana Gomes e seus camaradas, isto não representou qualquer tipo de inconveniente. A democracia não esteve em perigo, a censura era para nosso bem e os silenciados foram-no legitimamente, reles inimigos públicos, perigosos fascistas que precisavam de ser saneados. Para Ana Gomes e seus acólitos, a cobertura mediática e a discussão pública – desde pandemias do medo a sufrágios – devem ser conduzidas pelos maestros da virtude, inquinando a percepção dos tópicos de acordo os seus termos, estreitando a janela de Overton aos limites da sua monopolista sensibilidade. Qualquer desvio a esta consonância é um perigo para a harmonia social – uma posição que não choca vinda de alguém com tanto apreço pela democracia que procurou proibir um partido político da oposição quando era candidata presidencial.

Tudo isto é, naturalmente, uma divertida nota de rodapé – de todo o modo, ninguém está particularmente interessado no que a Ana Gomes prega a partir da sua bolha. No entanto, é paradigmático da mentalidade opaca, alheada, egoísta, autoritária e piegas dos que se arrogam profetas do Bem e da Verdade. Como já não querem jogar o jogo pelas regras dela, a Ana Gomes quer pegar na bola e ir para casa. Vê-la frustrada com a instrumentalização das redes sociais para amplificar mentiras e limitar dissensão, só porque os seus perderam o exclusivo da prática, é uma ironia de lamber os dedos. E a vida é feita destes pequenos prazeres.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.