No final do dia, se a Humanidade fosse justa e julgamento houvesse para os responsáveis pelas colossais mentiras em que estamos claustrofobicamente envoltos, não haveria lugares suficientes no banco dos réus para albergar todos os jornalistas do “ocidente”. São eles a voz presunçosa das campanhas de pânico que nos assolam e nos definham. É evidente para cada vez mais pessoas que os jornalistas – rótulo que utilizarei por utilidade prática e não por estes cumprirem os requisitos para tal serem considerados – não são mais do que megafones servis do sistema que nos sufoca.

Sou licenciado em Jornalismo, área pela qual me desapaixonei ainda durante o curso por me aperceber da sua inexistência. Tenho, portanto, consciência de que este fenómeno de transformar jornalistas corajosos em datilógrafos anónimos não é novidade – ainda que a vertente pregadora tenha sido mais recentemente vincada. Toda a fraude pandémica foi, no entanto, um gigantesco despertar do público geral para esta realidade incontornável: os jornalistas não passam de obedientes marionetas do poder político e corporativo.

É preocupante verificar que esta subserviência ao poder, esta promiscuidade gritante, é olimpicamente ignorada pelas cada vez mais escassas pessoas que ainda têm no consumo destas campanhas evangelizadoras disfarçadas de notícias a definição do que é estar bem informado. Mas mais descarado do que isto é o facto de os próprios se considerarem genuinamente modelos de isenção, ao contrário de outras vozes que são evidentes propagandistas e devem ser, assim, silenciadas.

Exemplo paradigmático desta prepotente filosofia deu-o involuntariamente Helena Ferro Gouveia, um big fish no Ministério da Propaganda português ou, como eles lhes chamam, “agência noticiosa”. Alegou ela então, em Fevereiro, que a proibição da emissão de canais russos no ocidente era perfeitamente justificável, já que não queremos os nossos incautos concidadãos a serem expostos a níveis tão corrosivos de contaminação propagandista. Porquê? Porque as pessoas são burras, perdão, citá-la-ei para ser justo, “não têm a capacidade, o conhecimento ou a literacia mediática para desconstruir narrativas”. Ela lá saberá o quanto os portugueses facilitam o seu próprio trabalho. A diferença em relação ao jornalismo ocidental é, nas suas palavras, a “credibilidade” dos media, que não existe nas autocracias. Gargalhemos em uníssono. Foi o que fizeram os outros dois convidados da CNN que a acompanhavam no painel – Ricardo Monteiro, especialista em Comunicação, e o major-general Agostinho Costa. Entre risos genuínos perante a falta de noção das suas considerações e uma hilariante desconstrução de cada alegação ingénua de unicórnios ocidentais e arco-íris democráticos, Ricardo Monteiro acabou por dar o exemplo de uma grande mentira disseminada sem questionar pelos media ocidentais: a existência de armas de destruição massiva no Iraque, que justificaram uma intervenção militar trágica de óbvio interesse estratégico. A resposta indignada da Dra. Helena é tão irónica e caricatural, porque genuína, que não poderia representar melhor ilustração da fragilidade cómica dos seus alicerces deontológicos:

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Ponha-se no lugar do jornalista. Se tivesse o seu secretário de Estado a dizê-lo, o senhor ia duvidar?

Atentem às diversas e generosas camadas de ironia desta indagação. No processo de utilizar a distância do poder político como justificação para a superioridade ética do intrépido jornalismo “ocidental”, Helena Gouveia reage com estupefação à mera ideia de colocar em causa a palavra dada por um membro de governo. Foi um momento televisivo sublime e representou uma imagem elucidativa deste pedantismo grotesco que contaminou a classe jornalística, que parece ser proporcionalmente inverso à sua competência. Entorpecidos por uma superioridade moral por eles próprios arrogada, expõem-se ao ridículo de se apresentarem paternalistas perante a néscia populaça enquanto ignoram a sua própria mediocridade, a sua evidente parcialidade, a bajulação ao sistema, as mentiras insolentes, o tom desdenhoso com que pretendem instruir o mexilhão.

Os profissionais do jornal onde agora escrevo estão longe de representar exceção. A nível da formatação emocional das massas, são na verdade mais perigosos do que alguma da concorrência a que toda a gente aponta o dedo. Enquanto a CMTV e agora a CNN, mais pornográficos na aparência sensacionalista, continuam a apresentar-se como os bodes expiatórios dos defeitos jornalísticos em Portugal, os títulos que se apresentam como idóneos cometem pecados tão ou mais preocupantes. O Observador tem ainda a agravante de ter a fama, em virtude de um espaço de opinião admitidamente bastante plural, de ser “de direita”, que em Portugal é sinónimo de anti-sistema. Quem lê depois os seus histéricos artigos sobre patogenias víricas e crises ambientais percebe que não está propriamente a ler o Daily Wire; mas têm o rótulo e a aparência é o que vale.

E que poder decidimos nós dar a estes escravos doutrinados? O exclusivo da “verificação independente de factos”. Diretamente plagiado das desventuras de Winston Smith na distopia orwelliana, o fact-checking é um cancro que tem na aparência de retidão o seu traço mais pernicioso. É uma arrogante e patética tentativa de adotar um Ministério da Verdade oficioso encapotado de investigação jornalística. As patranhas levadas a cabo para distorcer realidades são tão comicamente matreiras que merecem análise separada e faltam-me as linhas para o fazer aqui. Evidente é que, de forma mais ou menos despudorada ou consciente, estão ao serviço de uma agenda de narrativa exclusiva.

Este fact-checking ludibrioso não é, no entanto, fruto de um plano ardiloso da classe jornalística para controlar as narrativas. Ao contrário das mãos que têm em si enfiadas, os jornalistas – soldados rasos desta luta pelo controlo – não são mentes rebuscadas de maldade requintada. São idiotas e a sua utilidade é indispensável: são os mais úteis dos idiotas. No fundo, não há nos jornalistas tanto maquiavelismo como há ignorância; não a ignorância que provém dos intelectos mais limitados – ainda que possa ser frequentemente o caso – mas sim a que decorre inevitavelmente do afunilamento da mundividência. Estão invariavelmente confinados às opiniões burlescas dos “especialistas” que encomendam e dos figurões que seguem no Twitter. Depois de as consultarem, reproduzem-na mutuamente, numa simbiose de partilha de talking points que unifica a narrativa em premissas acessíveis, que não requerem particulares leituras aprofundadas e que são, por norma, baseadas em maniqueísmos simplificados. Pelos corredores das redações, palreiam-se as mesmas considerações, troçam-se dos mesmos fascistas, louvam-se os mesmos almirantes. Sem nuances, e mais triste ainda, sem curiosidade: jornalística, filosófica ou científica. Não têm qualquer interesse na discussão; são aliás a ela particularmente alheios, conhecem-lhe os perigos, o seu carácter especulativo, temem a clareza que emana da desaconselhada utilização da lógica.

Limitados aos seus círculos urbanos, ignoram por completo as opiniões e sensibilidades dos deploráveis pacóvios que não se revêm nos seus sermões virtuosos e, munidos de todo o tipo de falácias do espantalho, humilham-nos com declarado prazer. Todos os jornalistas do país – virtualmente todos o do “ocidente livre” – têm exatamente a mesma previsível opinião acerca das “causas fraturantes”. Se é esta massa uniforme e submissa que nos informa, como podemos aspirar a mais do que sermos massa uniforme e submissa?

Falamos de causas para este decadentismo humilhante de uma profissão imprescindível e ripostam-me sempre com imperativos financeiros. Têm de lançar logo a notícia, nem dá tempo para a ler; tem que haver engagement e posts e likes e shares e retuítes. Embrulhada em anglicismos, é esta a alegação: a vida está difícil e o biscate de jornalista não chega. Vimo-nos obrigados a explorar um mais rentável ramo do mercado: o meretrício.

Por mim tudo bem e aprecio a honestidade. Não podem é ser o mendigo de mão em riste que só quer ter pão para pôr na mesa e apresentarem-se simultaneamente como os carrascos do delito de opinião, sob o risco de acabarem na posição em que estão agora: sem dinheiro, sem credibilidade, mas com a cabeça enterrada no microcosmos em que ainda se continuam a convencer uns aos outros de que devem ser levados a sério.

Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.