Proponho-me, nesta pequena reflexão, a realizar o que muitos considerariam um paradoxo – uma apologia capitalista da Agricultura Sustentável. Estes estarão algo apartados da realidade agrícola que “evoluiu e talvez eles não tenham visto”(1), pois já desde meados do século passado, no ensino universitário especializado português, se repetia até à exaustão que “a agricultura é uma atividade económica”. Isto é, já na altura se dava a devida importância a um dos pilares da Sustentabilidade na Agricultura.
Na verdade, a apologia que venho apresentar provém de uma ideia que não é minha e que, portanto, estou mais à vontade para defender, se bem que os corolários são da minha inteira responsabilidade. Retirei-a de um livro que abarca a História da Agricultura desde “os povos nómadas até à biotecnologia” que recomendo(2) e em que o autor refere:
“Agricultura solo hay una, con numerosas facetas, pero una sola, destinada a aprovechar recursos naturales en beneficio del hombre que, en aras de ese mismo beneficio, debería utilizar los intereses que esos recursos producen, manteniendo inalterado el capital.” (3)
Fundos de pensões, fundos soberanos, fundações filantrópicas (The Gates Foundation, Fundação Calouste Gulbenkian…), endowments universitários, fundos mutualistas, grandes fundos familiares, todos eles se regem por esta premissa básica, supra aplicada à agricultura (sendo que, recentemente, também eles têm avançado e investido em agricultura… história que fica para outro dia!).
Ou seja, aqueles que, por excelência, representam um dos principais mecanismos pelo qual o capital é alocado e que, com ele, financiam empresas e projetos, incentivam a circulação de capital e, como resultado, fomentam o crescimento económico, tentam manter inalterado o seu capital e “viver” dos juros resultantes.
Como atividade económica que é, não vejo motivo pelo qual a Agricultura não possa adotar a mesma visão e estratégia e, desejavelmente, colher os mesmos resultados!
Evidentemente, quando nos referimos à Agricultura, o seu capital refere-se ao capital natural, sendo que este pode ser definido como os ativos e recursos naturais que fornecem os conhecidos serviços dos ecossistemas – preservar os nossos solos e preservar os nossos auxiliares (existam eles sob a forma de flora ou de fauna) significa preservar o nosso capital, para dele poder, sustentavelmente, continuar a colher os “juros”.
Porém, se nos limitarmos a viver dos “juros”, vivemos ainda alicerçados na “velha Agricultura”, aquela tradicional nos dias que correm em que se aporta ao sistema aquilo que do sistema se retira, cada vez com maior precisão. Os fundos de investimento suprarreferidos diriam que, apesar de ser um Agricultura de Precisão, tal atuação é insuficiente e, talvez, fizessem questão de levar à Assembleia-Geral uma proposta de demissão do General Partner – o nosso Agricultor por não salvaguardar o futuro dos seus investimentos.
Na realidade, para gerar resultados que sejam palpáveis a prazo, isto é, suficientes para as taxas de retorno requisitadas – que, em linguagem agrícola, se traduziria com um “se não quisermos continuar a empobrecer alegremente” – o nosso capital tem de crescer acima da inflação ou, similarmente, acima do poder de compra. O Agricultor tem de fazer crescer a sua base de capital e, aqui, entramos, necessariamente, na Agricultura Regenerativa.
Uma substituição dos inputs antropogénicos por inputs ecológicos e biológicos – um desligamento entre a crescente produção e a quantidade de fatores de produção aportados é a definição de intensificação sustentável – leva a que o Agricultor se torne um gestor da biodiversidade instalada e planeada e que, no fundo, coloque mais esse “capital” a trabalhar para si.
Este capital é aumentado sob a forma de polinizadores, de auxiliares como meios naturais de controlo de pragas e doenças, de uma exploração sustentável de plantas silvestres aromáticas, alimentares e medicinais, de capacidade de retenção e disponibilidade de água, de mecanismos naturais anti-erosão, de regulação do pH do solo para promoção da biodisponibilidade dos nutrientes, entre outras(4).
Se, só por si, isto é capital a ser acumulado gerador de resultados, pode ainda resultar em várias variantes de créditos para serviços de ecossistemas, como bancos de conservação, pagamentos de sistemas de serviços de ecossistemas, ou créditos de água e carbono. Isto é “a oitava maravilha do mundo” a funcionar – os juros gerados pelo investimento são reinvestidos gerando eles próprios novos juros sobre os juros anteriores!
A realidade portuguesa é uma em que a implementação prática nem sempre é a mais fácil ou rápida, todavia é uma ideia gira para refletir num mais desocupado dia de chuva de Inverno e, na verdade, tenho como certo que o Agricultor também deve começar a deixar o seu capital trabalhar para ele – a ecologia, a sustentabilidade e o longo-prazo devem ser as suas maiores vantagens competitivas.
No fundo, a Agricultura tem de ser mais como os fundos, mais capitalista!