Este ano hidrológico tem sido atípico.

Não tem sido atípico pela quantidade total de precipitação. Se tivemos um Outono-Inverno, ligeiramente acima da média neste departamento, uma média é exatamente isso – um resultado que acontece de quando em vez.

Também não tem sido atípico pela concentração da precipitação em curtos períodos, fenómeno que, aliás, será cada vez mais frequente com as alterações climáticas à espreita no horizonte.

Realmente excepcional tem sido a atenção mediática que se tem dado ao tema da Água em pleno Inverno. Vários especialistas, pessoas que vivem para, e da, Agricultura, colegas, têm populado vários órgãos de comunicação social – jornais e televisões, media generalistas e setoriais – falando, discutindo e escrutinando as decisões tomadas agora, bem como nas últimas décadas, relativas a esta temática.

Visto que estamos em período eleitoral, a minha juventude propele-me não só a alimentar esta tendência, mas a fazê-lo defendendo projetos políticos que suportem uma visão, com rasgo, estratégia e que sejam, efetivamente, disruptivos e transformacionais no que à Água diz respeito.

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Porque outros têm defendido o projeto sobre o qual me vou debruçar e justificado, bem, a sua apologia, focar-me-ei em explanar não a razão pela qual é necessário, mas como é que este laivo de rasgo e visão estratégica poderia contribuir decisivamente para um futuro sustentável, aquele que, por definição, é o único capaz de vir a acontecer.

Falo daquele que pode ser encarado como o sistema de circulação do nosso País – a famigerada Autoestrada da Água!

Se os agricultores já estão habituados a serem protagonistas de uma série de externalidades positivas pelas quais não são particularmente bem remunerados, esta maravilha hidráulica capaz de unir bacias hidrográficas traria, não só as habituais externalidades positivas associadas ao nosso trabalho, mas também um potencial ganho patrimonial, operacional e de rendimento aos atores do mundo rural.

Este projeto pode ser encarado como uma missão, uma missão de Portugal que alavancará o desenvolvimento em variadas áreas conexas. Ora, vejamos:

  • Levar a Água ao interior esquecido é a base sobre a qual se poderá começar a construir a verdadeira coesão social, lutando contra o real isolamento de várias zonas do País. Tal como um sistema de circulação, este unirá as várias partes do todo Português.
  • Transportar a Água do Norte para o Sul, ou do Litoral para o Interior, é a única forma de promover uma gestão integrada deste recurso, sendo esta, por sua vez, a única forma como um recurso, que é estratégico, deve ser gerido. Entendamo-nos: um recurso subutilizado no Norte, deverá ser colocado à disposição do Sul que por ele clama.
  • Este empreendimento, necessariamente, alavancará um significativo aumento da armazenagem deste recurso o que, num País que tem capacidade para armazenar apenas 20% das suas afluências anuais, se deve apreçar como altamente deficitário nesta cubicagem.
  • Esta ideia, como aliás o Alqueva já provou em dobro ou triplo face ao que alguma vez teria sido ambicionado, promoverá o emprego e a atividade económica nos concelhos mais abandonados do País.
  • Um projeto desta envergadura, será um baluarte de resistência num dos maiores hotspots das alterações climáticas que, sem água, se verá, formalmente, transformado numa zona árida e semi-desértica.
  • Estas fundações permitirão a instalação de uma agricultura de alto valor acrescentado – cada vez mais, regulada para a sua sustentabilidade – que colocará Portugal na vanguarda, pela vantagem competitiva óbvia da proximidade, do abastecimento àquele que é um dos maiores mercados consumidores mundiais –a Europa! Portugal tem de se tornar um celeiro/horta/mercearia europeia, tendo nós a possibilidade de, ainda, o planearmos devidamente, evitando os erros e passos em falso dados pelos nuestros hermanos!
  • Um projeto que permita a transferência e mobilidade deste recurso desbloqueia também, a prazo, a dessalinização e a possibilidade da sua utilização para lá de uma faixa muito curta no litoral.
  • É uma aposta que, claramente, não pode ser separada de um robusto investimento em fontes de energia renováveis e, nesse sentido, para além de promover a continuidade de uma trajetória da qual temos orgulho no que concerne a transição energética iria ainda espoletar uma capacidade sem precedentes de armazenagem de energia – a Água pode afigurar-se como a nossa maior bateria! Um elemento essencial para colmatar a intermitência das fontes de energia renovável e conferir a flexibilidade necessária às nossas redes.
  • Por fim, uma maravilha infraestrutural como a que aqui descrevemos carecerá de medidas de design, operacionais e tecnológicas que permitam reduzir ao mínimo indispensável os impactos nos ecossistemas fluviais e ribeirinhos e isto é, em si, uma grande oportunidade! Vai espoletar a investigação e estudo de ecossistemas únicos que terão de ser preservados e protegidos num projeto que, tendo desafios ambientais sérios, feito num País desenvolvido, terá de acautelar vários riscos, nomeadamente, em termos de contaminações cruzadas, espécies invasoras ou infestantes. Ainda assim, tem de se andar para a frente!

Hemingway, pela voz de um dos seus personagens, explicava como tinha ido à falência: “De duas maneiras – devagarinho e, a seguir, de repente.” Se nada fizermos, é assim que vamos ficar sem água.

Tenhamos rasgo e ambição para, neste novo ciclo político, romper com a letargia instalada e investir numa Autoestrada… para o Futuro!