As instituições políticas democráticas são base e garantia da dignidade do regime, da liberdade e de todos os valores que asseguram a existência do Estado de Direito Democrático. A democracia representativa cumpre-se no respeito que é devido pelos eleitos aos eleitores e na identificação que os eleitores sentem com aqueles que escolheram para os representar. Não surpreende, por isso, que os amantes de totalitarismos e praticantes dos diversos populismos, escolham o ataque às instituições como forma privilegiada de pôr em causa a democracia.
Numa época em que, pela distância e relativização de memória da ditadura, se assiste a uma mais fácil erosão das instituições democráticas, o oportunismo radical não espera e tenta marcar terreno pelo discurso violento, pela quebra do formalismo de que a democracia também se faz e, essencialmente, pela mentira e manipulação da desgraça alheia. De repente, temos o país moderado emparedado entre duas trincheiras extremistas. Uns dizem querer rasgar a Constituição, os outros distorcem-na a seu bel prazer. Uns são racistas e xenófobos contra negros e ciganos, os outros são igualmente racistas contra brancos e contra a história. Uns querem a pena de morte, os outros impõem a eutanásia e o aborto. Uns querem castrar pedófilos, os outros querem que não haja registo destes para protecção do resto sociedade. Uns querem uma polícia repressora, os outros querem reprimir a polícia. Poderíamos continuar até chegar facilmente à conclusão que não são dias fáceis para quem continua a lutar por uma sociedade livre, justa, equilibrada e fiel aos valores do que chamamos civilização ocidental.
Na última sessão da Assembleia Municipal do Porto, viveu-se uma encenação refinada desta estratégia de guerrilha radical. O município, na gestão do seu parque imobiliário para habitação social, com uma percentagem de habitação dedicada superior em 160% à média nacional, teve de lidar com uma situação de desocupação de uma casa por ocupação indevida. O município, por atender à circunstância familiar e humana do agregado em causa, levou dois anos a resolver uma situação que a Lei de Bases que PS, PCP e Bloco aprovaram, prescreve que se resolva em três dias. Uma família desalojada, ainda que tenha que o ser por imperativos legais, de equidade e de transparência do sistema, é sempre um drama; ninguém toma tal decisão, a não ser que tenha estritamente de o fazer. É esta família em dificuldades que, imediatamente, é instrumentalizada pelos radicais de serviço para atacar as instituições democráticas.
O Bloco de Esquerda, experiente nestas matérias, encenou a maximização de todos os incidentes possíveis. O discurso da deputada municipal Susana Constante Pereira tem invariavelmente tanto de incendiário, como de irresponsável e mentiroso. Já não impressiona, aborrece apenas. Era preciso mais. Pedro Lourenço, o deputado municipal que mais desafia a dignidade formal da assembleia, entre comer bananas em plenário e interromper a despropósito e a destempo os trabalhos, encontrava-se na bancada reservada ao público a filmar a sessão. O mesmo Pedro Lourenço que havia justificado a sua falta àquele plenário invocando impossibilidade de presença; e ali estava na área do público a filmar em absoluta violação das regras que tem obrigação estrita de conhecer. De uma penada, Pedro Lourenço mente ostensivamente ao órgão democrático para que foi eleito e viola grosseiramente as suas regras, portanto, uma dupla e violenta afronta a quem o elegeu, acima de tudo. Pedro Lourenço, com a impertinência e arrogância dos radicais de seita, recusou-se a parar as filmagens irregulares e foi conduzido com assinalável cordialidade e notória paciência para fora da sala.
O circo preparado não acabaria aí. Maria Manuel Rola, deputada à Assembleia da República pelo Bloco, que ficara no exterior a animar e agitar a manif que encenaram, exige entrar a meio da sessão, invocando a prerrogativa de livre trânsito que entende ter enquanto parlamentar. A Assembleia Municipal do Porto tem um espaço dedicado ao público, que tem uma lotação limitada, como é normal, e tem, obviamente, horário e regras de acesso. A deputada do Bloco não cumpriu nenhum dos critérios; empoleirada na sua abusiva interpretação do estatuto de deputada, entendeu que estaria acima de qualquer outro cidadão e acima das regras aprovadas legalmente de uma instituição democrática. Parece que optou por fazer queixa do Presidente, quando apenas se poderá queixar de si própria, da sua flagrante falta de cultura institucional e democrática.
Para encerrar o espectáculo em grande, no Facebook de Pedro Lourenço, a dirigente do Bloco, candidata e membro da lista de suplentes à Assembleia Municipal do Porto, Tatiana Moutinho, continua a incendiar as hostes e deixa cair a máscara: “ainda tentámos entrar para armar a p*** lá dentro, mas a guarda ruitoriana* do regimento não deixou.” Estamos absolutamente esclarecidos: Susana incendeia em Plenário, Pedro filma contra o regulamento, Maria Manuel irrompe a galope na invocação do seu estatuto de deputada e Tatiana confessa que tudo o que queriam era armar a p*** lá dentro.
Pois, entretanto, já quase esquecemos a família que teve que deixar aquela casa, e que preocupa o município, a Junta e pessoas de boa vontade. Sim, não podemos esquecer nunca que são seres humanos, que são infinitamente mais que um instrumento descartável da agitprop de má fé do Bloco. Que merecem mais do que ser pretexto oportunista para, como diz o Bloco, armar a p*** dentro de um órgão da Democracia.