Nenhum de nós escapa à necessidade existencial de proteger a sua sanidade mental. A atitude, no entanto, só é ativada quando tomamos consciência da origem, natureza e consequências das ameaças.
Não é possível ignorar que o nosso meio envolvente é dominado pelo poder cultural hegemónico da Esquerda. Falta acrescentar que esse poder utiliza o prefixo «neo» e o sufixo «ismo» para adjetivar palavras que remetem para fenómenos históricos e sociais relevantes, determinando o sentido que as pessoas comuns lhes atribuem. Quando um único campo político impõe a sua vontade, as sociedades vivem uma situação de sequestro mental.
Nesse contexto, os que amam a liberdade só conseguem proteger a sua sanidade mental se estiverem disponíveis para travar a guerra das palavras. Se a utilização do «neo» e do «ismo» é inquestionável no campo ideológico e político, o respeito pela autonomia e especificidade das instituições implica que não toleremos que a manipulação da linguagem seja extensível aos manuais escolares ou aos discursos de professores, académicos ou jornalistas. Nestes casos, são o rigor e a decência da linguagem, no sentido da neutralidade axiológica definida por Max Weber, que garantem o respeito pela liberdade de pensamento e pelo pluralismo da vida coletiva. Isso tem de ser absolutamente respeitado.
Não estão em causa meros estilos de linguagem, mas a fronteira que separa a construção, a cada nova geração, por um lado, de sociedades inquisitoriais, delatoras, manipuladoras, místicas ou falhadas de, por outro lado, sociedades racionais, justas, livres, coesas, tranquilas, democráticas, prósperas.
«Neo» ou veneno da sanidade mental
O recurso a termos como «neonazi», «neofascista», «neoliberal», «neocolonial», «neoconservador», etc., são variantes de um estado mental cristalizado no tempo, porém desejoso de se disseminar socialmente considerando o volume dessa família de palavras. A tolerância a tal vício originou o que Sigmund Freud designou por «infeção psíquica».
As fórmulas vocabulares adjetivadas pelo «neo» prestam-se à instrumentalização do passado histórico, à divinização ou diabolização daquilo que nos convém.
Pelo contrário, quando utilizados em fórmulas não adjetivadas, isto é, neutras (sem o prefixo «neo»), os termos referidos permitem compreender os fenómenos no seu contexto, a única forma de compreendê-los. É também apenas pelas fórmulas neutras («nazi», «fascista», «liberal», «colonial», «conservador», etc.) que compreendemos se a carga de certos fenómenos pode eventualmente transitar além da sua época originária.
Como considerou Norbert Elias, não compreendemos a realidade sem admitir que ela nunca está em estado de repouso, vive em reinvenção permanente. A utilização do prefixo «neo» torna-se, por isso, sintoma da incapacidade de captar essa característica intrínseca ao mundo do qual todos somos parte integrante. Utilizar o prefixo «neo» deixa-nos mentalmente presos no casulo do tempo passado, o que impossibilita a relação saudável com o presente.
Serge Moscovici, por seu lado, explicou que quando nos deparamos com um fenómeno novo ou desconhecido, existe a tentação inicial de ir buscar ao passado o que aparenta ser parecido. A atitude serve para domesticar o primeiro impacto, porém se não formos abandonando a palavra e o contexto do passado, acabamos impedidos de captar a singularidade e originalidade do que está diante dos nossos olhos no presente. Desse modo, cristalizar o uso do prefixo «neo» torna-se fonte de alienação mental.
A questão pode ser elucidada pela banalização do termo «neoliberalismo». Ou é «liberal» ou é outra coisa qualquer. «Neoliberalismo» é estádio perfeito da dupla adjetivação, isto é, de uma forma radical de alienação: «neo+liberal+ismo» (o «ismo» será explicado adiante).
Para simplificar a explicação, o processo equivale a compreender o neto pelas características do avô por identificarmos uma qualquer semelhança, dar-lhe o nome do avô e não abrir mão dessa obsessão. Experimente cada um na sua família impor nomes como «Neo-Maria» ou «Neo-António» e atuar em conformidade.
Quando olhamos para o século XIX, para as sociedades da época anterior ao poder cultural hegemónico da Esquerda, compreendemos o que nos está a acontecer. Aquelas sociedades não confundiram a «escravatura» com «racismo», mesmo que o objeto fosse o mesmo, a dominação do negro. Ainda assim, o senso comum da época percebeu as diferenças profundas entre uma e outro, o que significa o reconhecimento e a participação social numa transformação histórica notável para a época.
Cerca de um século passado, as sociedades atuais subjugadas ao esquerdismo vivem de relações alienadas com a realidade quotidiana mais básica. Insistimos no termo «racismo» que, em rigor, corresponde a um fenómeno específico e irrepetível do século passado, o século XX. O termo significa e significará sempre que o branco é o carrasco e o negro a vítima. O problema é que a realidade vivida hoje pode confirmar essa característica, porém confirma crescentemente o seu contrário.
A pertença racial branca não é a única carrasca racial, tendo inclusive perdido a primazia para, por exemplo, pertenças como a cigana, negra (veja-se o caso da África do Sul atual) ou árabe. São as últimas que hoje ocupam as primeiras posições na instigação da violência racial ou etnicamente orientada. Basta andarmos nas ruas ou por certos países, e basta sermos honestos connosco mesmos, isto é, preservarmos a nossa sanidade mental que, por norma, não falha na identificação desse tipo de ameaça.
Assim sendo, os ocidentais vivem expostos como nunca a riscos de segurança próprios dos que vivem em estado de alienação ou mesmo de loucura. Isso não é tolerável. Não é mais de «racismo» que estamos a falar, mas de um outro fenómeno com características originais que a persistência da palavra «racismo» impede que se perceba. Não admira que um dia nos seja imposto o termo «neorracismo» para agravar ainda mais a situação.
Em suma, utilizar o prefixo «neo» tipifica o radicalismo narcísico dos que pretendem que a realidade se adapte ao seu cérebro, não o contrário. Chama-se neurose (trocar factos por palavras) ou alienação (voltarei ao assunto). A sanidade mental de indivíduos, povos e sociedades e a liberdade de pensamento não são compatíveis com este tipo de manipulação de palavras em que a Esquerda se tornou exímia.
«Ismo» ou a essência do douto ignorante
O recurso ao sufixo «ismo» também muda as palavras do seu sentido neutro originário para o sentido inquisitorial. Por norma, a partícula impõe a indivíduos e sociedades que condenem inconscientemente aquilo que uma dada elite, grupo ou seita decide autocraticamente que deve ser condenado. Em rigor, trata-se de um processo de escravatura mental.
Uma cabeça saudável utiliza palavras como «popular», «colonial», «moral», «racial», «autoridade», «individual», «imperial», por aí adiante. Era assim nas gerações passadas, antes da Esquerda tomar de assalto os sistemas de ensino, a comunicação social e os meios intelectuais e artísticos para controlar as nossas cabeças, o âmago de todo o poder. O assalto remeteu-nos para a era das palavras adjetivadas. As sociedades passaram a preferir a fancaria substituta: «populismo», «colonialismo», «moralismo», «racismo», «autoritarismo», «individualismo», «imperialismo», por aí adiante.
Despoluir a linguagem de «ismos» é, em si, um exercício de regresso ao rigor, à liberdade de pensamento, ao respeito pelo pluralismo, à sanidade mental coletiva.
A primeira fórmula vocabular, a neutra (sem «ismos»), alimenta a compreensão da realidade, a neutralidade ideológica, política ou cultural; uma sociedade justa, plural, equilibrada, pacífica. É por ela que as pessoas comuns se filiam à funcionalidade do Estado de Direito, dos sistemas democráticos ou do respeito pela autonomia das instituições.
A segunda fórmula vocabular, a adjetivada, é alma do discurso marxista desde o século XIX. O «ismo» acrescentado às palavras semeia a impossibilidade de compreensão da complexidade dos fenómenos sociais aos quais se referem e, em troca, radicaliza a propensão para julgar. Quanto mais julgamos menos compreendemos, e vice-versa, máxima de Max Weber.
Uma linguagem institucional e social povoada de «ismos» promove uma vida coletiva fragmentada entre «bons» e «maus», instável, dominada por tensões e conflitos permanentes. Sobretudo quando incentivados desde a infância e adolescência por sistemas de ensino massificados, os «ismos» são sementes que fazem proliferar inquisidores, delatores, manipuladores, místicos, o domínio do politicamente correto destruidor da liberdade de pensamento e de expressão.
Tal como a linguagem do «neo», a do «ismo» não pode ter espaço nos manuais escolares ou nos discursos de professores, académicos ou jornalistas. É uma questão de sanidade mental coletiva.