Quantas vezes já ouvimos que as mulheres não sabem, nem percebem as dinâmicas dos investimentos? E, na prática, esta afirmação não está totalmente errada. A realidade é marcada por várias condicionantes que explicam, em parte, este mito sobre a incapacidade de investimento das mulheres.
Na verdade, os estudos mostram que as mulheres que investem, investem bem e conseguem retornos acima dos retornos dos homens. O grande problema é que a percentagem de mulheres a investir é muito inferior à dos homens.
Não estamos perante questões genéticas ou de inteligência. Não é isso que separa homens e mulheres dos investimentos. Arrisco dizer, e não corro grande risco, que em causa estão heranças culturais. E diferenças salariais ainda assinaláveis.
Há quantos anos estão as mulheres massivamente no mercado de trabalho? Olhando para a realidade portuguesa, até 1960 as mulheres eram “qualificadas” como domésticas e o seu papel na sociedade era o de promoção do bem-estar da família. De acordo com os dados dos recenseamentos, em 1970, apenas 24% das mulheres tinham um papel ativo no mercado de trabalho e 23% das mulheres eram analfabetas (13,7% dos homens).
Passados 50 anos, o cenário mudou. As mulheres estão verdadeiramente ativas no mercado de trabalho. Em 2022, 27,9% das mulheres tinham o ensino superior, contra 20,6% dos homens.
O contexto mudou muito. Mas estamos a falar de um período de 50 anos. Muito curto para mudar questões culturais e educacionais. As mulheres passaram de um ambiente em que lhes era incutido que ficassem em casa a cuidar da família, muitas vezes sem frequentar sequer o ensino primário.
Em termos sociais, temos ainda o peso do que é um comportamento indicado para uma princesa. As meninas são educadas a portarem-se bem, a serem sossegadas e a correrem poucos riscos. Apesar de estas recomendações não terem a intenção de condicionar os diferentes aspetos da nossa vida, acabam por pesar e contribuem para que, de uma forma mais geral, as mulheres sejam mais cautelosas.
E não ficamos por aqui, no que às “heranças” diz respeito. O tema da disparidade salarial é crucial. Em Portugal, as mulheres ganham menos 16% do que os homens, de acordo com os dados de 2021 referidos pela Pordata. Com menos capacidade financeira, a capacidade de investir é, obviamente, inferior.
Todas estas premissas levam a que, sem surpresas, as mulheres sejam mais conservadoras nos seus investimentos. Ou seja, optam por investir em ativos considerados mais seguros, com menor probabilidade de perdas. E se alguns destes tópicos têm um peso maior na sociedade portuguesa, a verdade é que, de uma forma ou de outra, se refletem também noutras sociedades.
Também é sem surpresa que todo este enquadramento está explanado nas principais motivações que levam mulheres a investir: garantir segurança financeira para a família, fazer crescer o dinheiro no longo prazo e poupar para a reforma. O foco nunca é o imediato, mas sim, o longo prazo.
Por outro lado, os estudos mostram que as mulheres são menos impulsivas na tomada de decisões, conseguindo manter a calma em períodos de maior volatilidade. E recorrem muito mais a corretores e especialistas nestas matérias. No fim, surpreendentemente (ou não), conseguem retornos maiores do que os homens. Não são contas nem conclusões minhas, mas sim de estudos publicados por várias casas de investimento.
Visto deste prisma, diria que as mulheres arriscam ser melhores investidores do que os homens. Para darem um salto, as mulheres precisam de falar mais sobre estes temas, de fazer formações específicas nestas temáticas e criarem um ambiente que as incentive a investir, conscientes dos riscos, mas sem perderem as oportunidades.
As sociedades não se mudam de um dia para o outro. Precisam de tempo. As boas notícias é que os últimos inquéritos revelam que há mais mulheres a investir. Já faltará pouco para que o mito sobre a fraca qualidade de investimento das mulheres caia por terra. Sendo que, antes disso, será necessário fazer cair também a tão real disparidade salarial.
As mulheres são más investidoras porque não investem. Porque deixam, muitas vezes, que o medo as iniba de tomar decisões. E, desta forma, estão a perder oportunidades de garantir uma estabilidade financeira maior ao longo de toda a sua vida.
Sara Antunes – Diretora de Comunicação e Conteúdos do Doutor Finanças. Autora do livro sobre Finanças Pessoais: Ganhar, Poupar, Investir.
O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.