É preciso mudar para que nada fique na mesma.

O momento que atravessamos aconselha fortemente a que se defina um novo rumo, deixando de discutir o acessório e construindo uma nova política de saúde verdadeiramente integradora de cuidados.

Há que reformar e não mais continuar a remendar.

Há meses e anos que o problema dos serviços de urgência invade o dia a dia dos sucessivos dirigentes da saúde. Desde há algumas semanas, na região do Norte, começou um novo e sistemático fecho de urgências devido à falta de recursos humanos. A mesma região do País que o nosso Primeiro Ministro considerava exemplar no domínio da saúde.

O modelo atualmente em vigor para os serviços de urgência mantém-se o mesmo, ao longo das últimas décadas. E sempre com crises anunciadas ao longo dos tempos. Como soluções apontadas, as opções vão, ou no sentido de pagar mais, ou de contratar mais recursos. E o resultado tem sido constante: mais despesa e menos resultados.

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Mas se as crises têm sido várias, a que agora se iniciou pode ser a maior de sempre.

O nosso sistema de saúde alterou-se profundamente na última década.

As equipas diminuíram e a procura e os acessos aos serviços aumentaram.

A diferenciação da abordagem diagnóstica e terapêutica alterou-se profundamente no sentido da complexidade.

A diferenciação dos médicos leva a que cada vez saibam mais sobre menos.

A perspetiva de encarar a profissão leva a que os médicos tenham passado a integrar a qualidade de vida no seu desiderato e, para muitos, tornou-se uma opção inaceitável fazer centenas ou milhares de horas extraordinárias.

O valor do pagamento/hora passou a ser uma realidade abertamente discutida e criticada pelos valores miseráveis e assimétricos.

E apesar de tudo isto o SNS continua, perversamente, sustentado numa lógica de horas extraordinárias.

Sempre tenho afirmado que a mudança das urgências só é possível com a mudança dos restantes serviços de saúde.

O Serviço de Urgência, como o próprio nome indica, serve para resolver urgências e não para resolver as insuficiências dos outros serviços.

Há que reformar e não mais continuar a remendar.

E defendo que essa reforma deve ser sustentada em 5 pressupostos:

O primeiro é de que não há soluções únicas e de que as soluções variam com a diferenciação da realidade local e regional. A solução para o modelo do Hospital de Santarém ou o do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central não pode ser igual.

O segundo é de que os cuidados primários têm der ser organizados no sentido de dar resposta à doença aguda, retirando desta forma milhares de doentes dos Serviços de Urgência hospitalares, melhorando a qualidade dos serviços prestados e garantindo cuidados de qualidade e de proximidade. Garantindo mais e melhores condições aos médicos dos cuidados primários, libertando os Serviços de Urgências dos casos de menor diferenciação.

O terceiro é o de que é necessário garantir uma hierarquia de prestação de cuidados, em que os mais diferenciados são garantidos pelos serviços de especialidades e não pelas urgências. Se considerarmos que a evolução do sistema de saúde tem sido no sentido da criação de centros de referência e outros altamente diferenciados, em dezenas de áreas, provavelmente deveria ser equacionado acometer-lhes a responsabilidade de tratar os doentes das suas áreas de diferenciação. Libertando a urgência dos casos mais complexos, garantindo uma maior qualidade de cuidados diferenciados prestados. Para tal, é necessário que os serviços se reajustem e reorganizem. Que o modelo organizativo dos mesmos se altere. Garantindo mais e melhores condições aos médicos desses centros. Esta é uma realidade que deverá ser especialmente aplicada às urgências cirúrgicas.

O quarto é o repensar o tema das equipas fixas de urgência, que garantam cuidados diferenciados em medicina de urgência. Deixando, desta forma, para as outras especialidades a abordagem dos casos mais diferenciados e complexos. Será para tal necessário a criação de uma especialidade de medicina de urgência? Talvez sim.

O quinto é o de assumir que o trabalho no Serviço de Urgência é um trabalho especialmente exigente e desgastante. E é nessa perspetiva que ele deve ser equacionado e programado

O tema não é trabalhar mais, mas sim trabalhar melhor e onde seja possível realizar um trabalho mais eficiente.

A solução não passa por mitigar o problema e apontar soluções casuísticas e datadas no tempo.

Estou certo que, se nada se fizer, nada ficará na mesma. E ficará pior. E que os resultados serão maus para doentes e para médicos. Mesmo muito maus.

Mas precisamos de garantir a mudança.

Ao Governo compete encontrar soluções. À Ordem dos Médicos, Sindicatos Médicos e médicos compete ajudar e contribuir para o desenho de novas soluções.

As nossas urgências já não se salvam com uma ida a um Serviço de Urgência.

Porque o atual sistema de urgência já não tem reanimação possível.