No ano passado, recordo-me perfeitamente de ter lido num jornal que na Freguesia do Martim Moniz coexistiam várias religiões diferentes de forma pacífica. Ao pensar um pouco mais no assunto, apercebi-me rapidamente de que, à luz da minha experiência pessoal, talvez nunca tenha encontrado fenómeno semelhante nos países onde vivi e que visitei. A ideia da coexistência pacífica de religiões em Lisboa e, pode ser dito, em Portugal – que no fundo não é mais do que a convivência num mesmo território de diferentes opiniões, crenças e comportamentos –, é tanto mais louvável quando mais considerarmos a ideia de que o nosso país é marcadamente católico ou tem uma religião predominante. Esta ideia tem eco num dos motes das Organização das Nações Unidas, segundo a qual “a tolerância nunca foi uma virtude mais vital”.

Apesar da ideia de tolerância nos remeter para o pensamento de outras culturas, etnias e religiões, foi exatamente nas vésperas do Dia Mundial da Tolerância que me dei conta de que, desde Março do ano corrente, esta palavra mantém-se muito viva para mim e que, assim creio, tem vindo a assumir uma importância adicional no contexto social.

Tolerância, do latim Tolerantia, pode ser descrita como o grau de aceitação perante um elemento contrário que implica compreensão e respeito.

No contexto atual, em que subsistem pelo menos algumas dúvidas sobre a melhor forma de aplacar e neutralizar a pandemia, há quem defenda que não pode ser obrigado a usar máscara e a ver a sua liberdade de movimentos restringida. É uma opinião que no fundo invoca a importância que a liberdade deve ter na vida humana e nas sociedades. À ideia de que a liberdade é de facto muito importante, teríamos de acrescentar, porém, que a compreensão e o respeito pelo outro não podem ser esquecidas, já que a minha liberdade só acaba onde começa a do próximo.

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Entre o que se sabe (e o que não se sabe), o que vemos na televisão (que por vezes mais parece um filme ao qual assistimos na plateia) e a falta de convívio no trabalho e socialmente, temo que infelizmente a consequência seja também uma grande falta de tolerância e compreensão desde logo com nós próprios.

Afinal, na minha geração, como noutras, sempre estivemos habituados a podermo-nos deslocar e a conviver sem limitações. Quem diria que convidar amigos a casa ou apenas conviver seria algo que nos podia ser vedado? A nós, ao nosso País e a tantos outros. Atrevo-me a dizer que nos sentimos sôfregos de nos livrarmos de tanta restrição.

É nesta circunstância que o apelo à calma interior adquire um sentido redobrado; onde a compreensão e o respeito pelo entorno se devem sobrepor. Gandhi dizia que “tolerância não significa aceitar o que se tolera”, como se, ao tolerar, perdêssemos de vista a nossa identidade ou diferença. E acrescentou: “a lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.

Voltando ao início deste artigo. Falemos nós de culturas ou religiões diferentes, crenças ou opiniões, e o povo português é extremamente tolerante, em situações normais ou excecionais, como aquela que vivemos, somos também profundamente solidários, acudindo e apoiando quem precisa independentemente da sua classe social, etnia, idade, género ou nacionalidade. Em Portugal, não é, pois, possível falar de tolerância sem falar também de autenticidade.