Sempre fui relativamente bom com números. Sinto-me bem com os algarismos porque só há 10 e os números quando passam dos 10, repetem-se de novo, ad infinitum. Gosto disso. Acho que faz sentido, é lógico, assim como se vir uma ovelha e outra ovelha se juntar a ela, então passo a ver duas ovelhas. 1+1=2, simples.
E, desde que me lembro, sempre gostei de números. Dou como culpada não só a minha mente que vê os números como amigos chegados, mas também é culpada a minha avó que, desde que me lembro, é professora de Matemática. Dou-me bem com ela porque fui dos únicos netos que se deu bem com a disciplina dela, não sei se por sorte dos números me terem como amigos ou pelo menos como esperança de alguém levar os seus genes, mas partilho e recebo bem os seus entusiasmos com muita coisa que está relacionada com a Matemática: desde aprender sobre a prova do Fermat que não cabia na margem nos anos 1600, e que hoje em dia tem a cabeça a prémio, à equação que ganhou o prémio de “mais bonita” de sempre do Euler em que a minha avó, entusiasmadíssima, me veio anunciar que era para ela também a mais bonita!, ao número dourado do phi que supostamente está em todo o lado, e por aí adiante. Factos do mundo da Matemática sempre foram coisas que me interessaram de algum ponto por serem amigas dos meus amigos, os números.
Fui para engenharia por isso, não que isso tenha muito a haver com a Matemática pura, já que o engenheiro gosta de arredondar os números e depois meter em cima o chamado factor de segurança para aproximar a Matemática à realidade (que é muito prático na verdade!), mas gostando de números como a minha avó, não gosto que raiz de 5 seja 2.236! Eu gosto que raiz de 5 seja raiz de 5, não arredondo nunca até à conta final, e se der para dar o resultado como raiz de 5, é assim que eu vou deixar! Digo isto, porque sei que a minha avó é igual a mim nesse aspecto. A realidade, essa, já é diferente porque é imperfeita e no nosso universo observável, finita, quando a Matemática se aproxima do infinito e assim da “perfeição” (ou seja lá o que isso for).
Por um lado, o facto da realidade ser por vezes tão diferente da Matemática dá-me graça, maioritariamente, por ver frustrações da minha avó que mais ninguém tem. Não que ache que sou má pessoa por me estar a rir da sua miséria, mas dá-me graça vê-la a usar a régua e o esquadro nas suas aventuras por recortes geométricos de uma folha para encadernar um livro antigo, para depois descobrir que o esquadro já não tem 90º mas sim 89,9º por desgaste do material, que depois isso lhe vai deixar a régua a bater nos 15,05 cm em vez dos 15 cm certos que ela tinha calculado milimetricamente. A partir daí vem a calamidade: fica chateada com a régua, com o esquadro, com o papel, comigo (porque já me estou a rir), com quem lhe pediu para encadernar seja o que for (provavelmente o meu pai) e, por fim, com a vida; quando, no entanto, a velhota podia-se estar a divertir das coisas darem errado e simplesmente aceitar (apesar de na hora ser difícil), porque apesar de toda a gente saber que é a Matemática que rege as leis da Física e do Universo, então porque é que o raio da minha encadernação não bate nos 15 cm certos!?
O mundo não é recto, o humano não é perfeito, não há perfeição fora da Matemática já que nem a natureza que conhecemos é perfeita! E porque será essa diferença entre realidade e Matemática bonita?
Para qualquer teórico que se preze, essa diferença não tem graça nenhuma! Para qualquer amante da Matemática, os números irracionais não são para arredondar! Mas aqui vai o que eu acho que é bonito: é porque, primeiro, a base disto tudo que está errado, está certa! E eu sei qual é a base! (Para quem não percebeu, é a Matemática) O resto são arredondamentos! O meu papel pode não ter batido no ponto certo que tinha calculado, mas eu sei que se tudo estivesse perfeito: ia bater! Foi um erro meu, o que diz também que sou humano! Descobri a Matemática, mas enquanto não conseguir aproximar suficientemente a minha realidade da Matemática, o meu trabalho aqui não está acabado! E isto leva-me ao segundo ponto de vista: porque eu acho que enquanto houver esta diferença, há coisas para melhorar, há coisas a fazer, há um propósito para quem o quiser ver ou seguir, e isso dá sentido à vida em si. À primeira vez não deu certo, à segunda provavelmente também não, mas depois de muita vez e muita melhoria isso há de chegar lá ao sítio, ou pelo menos a um nível em que a diferença entre realidade e Matemática nem por nós humanos é perceptível.
E no fim disto tudo, avó (ou leitor caso se reveja), se desta vez algo que fizeste não deu certo, não ligues nem dês esse falhanço ao teu ego, aceita que é normal o erro, que o mundo não é matematicamente exacto, que há coisas que não interessam assim tanto como o desenho não bater matematicamente no sítio, e aproveita para te rires de ti ao ponto de pensares que conseguias fazer um trabalho matematicamente perfeito :).
Até lá, até já.