Na cauda da Europa há 3 séculos
O Professor Nuno Palma, no seu livro As causas do Atraso Português, enuncia os principais fatores que levaram a que o nosso país, a partir do legado setecentista do Marquês de Pombal, se afastasse drasticamente, em termos de proveitos, da média da Europa Ocidental.
Desde o início do século XIX até meados do século XX Portugal foi o país mais pobre da Europa Ocidental. O PIB per capita português caiu de 75% da média europeia ocidental em 1820 para 35% em 1928, recuperando muito lentamente até atingir, em 1970, cerca de 50% e em 1973 cerca de 55%. A partir de meados da década de 80 e principalmente na de 90 conseguiu-se uma mais rápida convergência real do PIB per capita para a média da UE, atingindo o melhor resultado, cerca de 80%, no seu final.
Os maiores crescimentos do PIB nacional verificaram-se em dois períodos: entre 1965 e 1973, impulsionados pela intensificação da industrialização e por grupos empresariais com alguma dimensão, Portugal experimentou taxas de crescimento anual do PIB entre 6 e 10%; e, entre 1986 e 1992, fruto das reformas estruturais, da liberalização da economia, do influxo de fundos estruturais europeus, do aumento do investimento, nacional e estrangeiro, e da modernização das infraestruturas, as taxas de crescimento anual do PIB voltaram a ser robustas, geralmente acima dos 4%, chegando a atingir 6%. Mas, depois, entre 1996 e 2018 o crescimento real do PIB foi anémico, em média de 1.5%.
Das várias causas que Nuno Palma aponta, há três que se destacam: a maldição dos recursos, o atraso na generalização da educação e a cultura sócio-política prevalecente.
A chamada “maldição dos recursos” tem a ver com o facto de, tendo conseguido extrair recursos relevantes do exterior, designadamente o ouro do Brasil, não só não se aplicaram para produzir mais e diferente riqueza para o desenvolvimento, como, pelo contrário, se inibiu o país e a sociedade de se lançar na industrialização e na modernização das instituições, assim provocando um atraso dramático em relação ao resto da Europa. Depois, no PREC, destruiu-se o esforço de recuperação do atraso no processo de modernização da estrutura produtiva, com as malfadadas nacionalização e a perseguição aos nossos maiores empresários. E, nas últimas décadas, “Portugal é um país anestesiado pelas ajudas europeias”, nem sempre bem utilizadas para uma dinâmica empresarial visando o futuro.
O atraso na educação teve a sua causa principal na destruição do sistema educativo do país através da expulsão da Companhia de Jesus (Portugal tinha então duas universidades e e uma rede de colégios em todo o país, na sua grande maioria pertença dos jesuítas), ditada pelo governo do Marquês de Pombal, que introduziu em sua substituição, em 1772, uma reforma calamitosa: o número de alunos caiu brutalmente, tanto a nível da escolaridade básica, como universitária. No século XIX as taxas de literacia não chegavam a 20%, constituindo um enorme entrave ao desenvolvimento do país. Só no Estado Novo se produziu uma nova política de escolarização, com a construção de uma ampla rede de escolas primárias em todo o país, proporcionando resultados positivos no campo do analfabetismo infantil, e alguns no ensino liceal, no profissional e na expansão das universidades. Mas só com a democracia o nosso país atingiu níveis mais assinaláveis de escolaridade e qualificação mais próximos do resto da Europa, embora com deficiências, ainda significativas, em algumas áreas de literacia.
A cultura sócio-política prevalecente desde 1976 não tem contribuído para o salto qualitativo e quantitativo necessário a uma convergência rápida com a média dos países da UE. Nos anos mais recentes “Portugal tem estado a transformar-se numa economia pouco competitiva, bem como numa democracia apenas eleitoral, limitada, não liberal, com uma sociedade pouco dinâmica, fechada à concorrência, aos mercados e às reformas que pudessem gerar crescimento económico” e “é hoje um dos países da Europa com a produtividade do trabalho mais baixa”. No contexto de dinheiro fácil de origem comunitária, “a competição política faz-se pelas promessas, com mais emprego público, mais dinheiro para os reformados, subidas de salário mínimo, e mais ofertas de bens do Estado social grátis. (…) Tudo se opera em detrimento da capacidade produtiva da economia, exige elevada carga fiscal, o que por sua vez agrava a dificuldade da economia funcionar de forma eficaz”. A grande fatia do PRR “foi gasta em áreas que nada contribuem para reformas estruturais, não ajudando ao desenvolvimento do país a prazo” (todas as frases entre comas são citações do livro acima referido).
É difícil contestar as teses de Nuno Palma, se, como admito que é o caso, a crítica aos fundos comunitários tiver como desiderato chamar a atenção para que a sua utilização nem sempre teve como principal objetivo gerar mais riqueza e prosperidade e, por outro lado, ter sido frequentemente pouco eficiente. É indiscutível que uma parte dos fundos foi bem utilizada. Recordo, a título de exemplo (ainda para mais porque foram casos sob a minha responsabilidade enquanto Ministro do Comércio e Turismo nos Governos de Cavaco Silva) a sua importância vital na atração de investimento direto estrangeiro produtivo, como foram os casos da AUTO EUROPA e do vasto conjunto das indústrias do cluster automóvel, entre outros, o programa, único na UE, de apoio à modernização do comércio, a profunda qualificação do turismo (incluindo a abertura de 8 pousadas em monumentos históricos e a dinamização das aldeias históricas da Beira interior). A política de dinamização da indústria, levada a cabo pelo ministro Mira Amaral, teve no PEDIP um instrumento essencial, também ele com o apoio de fundos comunitários. E, claro, verificou-se um enorme desenvolvimento das infraestruturas rodoviárias e aeroportuárias, impossível sem esse apoio.
Nos nossos dias — e apesar de termos usufruído dos fundos comunitários desde 1986, sempre crescentes em montante, totalizando cerca de 156 mil milhões de Euros até ao final do quadro comunitário de 2020 —, Portugal continua a ocupar um lugar na cauda da Europa no que respeita à sua performance económica, com a agravante de estar a ser ultrapassado pelos países do leste europeu que entraram na União Europeia muito mais tarde e, portanto, beneficiando de um montante muito menor de apoios comunitários.
Criar mais riqueza, um problema estrutural
O problema da criação de riqueza no nosso país continua a ser estrutural. Com causas várias:
Não se desenvolveu uma estratégia consistente de longo prazo de criação de riqueza.
Temos um culto de subserviência, de assistencialismo e uma excessiva dependência em relação ao Estado, inibidoras do dinamismo da sociedade e da iniciativa empresarial.
Descura-se a necessidade de instituições fortes.
Há insuficiência de poupança e de capital privado nacional para o investimento produtivo.
O capital humano só nas últimas décadas detém níveis de qualificações adequados, mas o nivelamento por baixo a que assistimos (que produz descontentamento, desmotivação e, depois, conformismo), as baixas remunerações e a contestação do mérito individual, bem como a desvalorização do trabalho enquanto fonte de realização do Homem, promovem a saída de muitos dos nossos jovens e de quadros e cientistas qualificados que não se resignam à mediania e à falta de expectativas.
A produtividade do trabalho e a multifatorial mantêm-se muito mais baixas do que a média europeia.
A inovação e a investigação científica parecem ser insuficientes na sua aplicação nas áreas produtivas, ou acabam por deslocalizar a sede das empresas mais eficientes para o exterior, nomeadamente por razões fiscais e de dimensão dos mercados de capital.
A estrutura empresarial é, principalmente desde as nacionalizações, constituída basicamente por micro, pequenas e médias empresas (mPME), o que desfavorece a melhoria da produtividade e uma gestão mais eficiente e não gera suficiente riqueza, desprezando a escala, para a qual são essenciais as grandes empresas, que proporcionam o aumento da produtividade e uma gestão mais qualificada.
O enquadramento da atividade económica é desfavorável ao dinamismo empresarial e à captação de investimento produtivo na fiscalidade, na rigidez da legislação laboral, na morosidade da justiça, na burocracia.
A cultura sócio-política existente não favorece o crescimento económico e a prosperidade da sociedade em geral. Tem prevalecido a cultura da priorização da distribuição em relação à da criação de riqueza, o que teve como consequência o alinhamento por baixo e o empobrecimento da classe média, que é uma grande mobilizadora do progresso, e o desincentivo à atração de investimento.
Uma estratégia para a criação de riqueza, precisa-se
A criação de riqueza requer uma estratégia conducente a:
- atrair investimento produtivo, designadamente com escala
- fomentar decisivamente o aumento da produtividade
- estimular as diversas fontes de financiamento da atividade empresarial
- flexibilizar e facilitar os bloqueios à iniciativa empresarial
- realizar uma significativa redução da carga fiscal sobre as empresas e estabelecer benefícios fiscais ao investimento
- promover uma regulação eficiente e inteligente.
O que foi feito na Irlanda merece ser objeto da maior atenção, A sua estratégia de captação de IDE tem sido de grande eficácia: (I) um ambiente fiscal muito competitivo (IRC de 12,5%), (II) um substancial investimento em capital humano, criando um pipeline de talentos especializados, (III) incentivos à criação de hubs tecnológicos e clusters de inovação, que atraem setores de ponta (tecnologias de informação, fintechs, biotecnologia), de que a SILICON DOCKS de Dublin, constitui um exemplo desse tipo de ecossistemas, atraindo grandes empresas, com programas de financiamento e apoio, incluindo subsídios vários, (IV) um mínimo de burocracia, (V) estabilidade política, financeira, económica e jurídica, atrativas para investidores que buscam segurança regulatória, fiscal e jurídica, (VI) apoio a parcerias público-privadas, (VII) foco em sustentabilidade ambiental, social e económica. E o desempenho económico-social da Irlanda tem sido notável.
A verdade é que o PIB per capita em paridade de poder de compra em 2010 e em 2022 em Portugal manteve-se em 78% da média europeia, enquanto o da Irlanda subiu para quase o dobro.
A cultura de esquerda não social democrata, também causa maior do atraso
Na histórica do último século, a experiência empírica demonstra que a economia liberal, de mercado, promove sociedades muito mais ricas, dinâmicas, inovadoras e progressivas do que as que os modelos alternativos socialistas/comunistas/estatizantes conseguem. São prova maior do que se afirma a derrocada do regime comunista da União Soviética e o caso da China, quando Deng Xiao Ping o compreendeu e resolveu perfilhar o capitalismo (mesmo que “controlado”) e a economia de mercado no plano económico, promovendo um crescimento espetacular e, com isso, a melhoria de vida dos cidadãos. Ao contrário, nos casos em que subsistem regimes socialistas/comunistas, impera a igualdade na pobreza — o preconceito ideológico, a religião marxista, prevalece sobre a razão.
O desenvolvimento é um trabalho de gerações, com quatro grandes questões políticas sempre presentes: (1) como criar mais riqueza e prosperidade, (2) como distribuir melhor a riqueza para assegurar a justiça social, diminuindo desigualdades excessivas e erradicando a pobreza, (3) que Estado devemos e que Estado podemos ter e (4) como dinamizar a sociedade civil e criar instituições fortes.
Tratar da segunda sem cuidar antes da primeira é condenar um país à mediania ou mesmo à mediocridade. Tem como consequência promover uma “justiça social alinhada por baixo”, uma sociedade amorfa e sem expectativas de um futuro melhor, que reivindica melhorias em quase tudo, esquecendo que os recursos necessários para isso partem de conseguir aumentar os proveitos, o PIB.
Ora tem sido esta a opção das Esquerdas (aqui referidas como sendo as mais radicais, representadas pelo Bloco de Esquerda, Livre, PCP, e pela parte do PS não social democrata, que vem liderando o partido desde António Costa e da sua Geringonça) no nosso país, designadamente na última década.
As evidências desta afirmação são várias e cristalinas.
Uma estratégia consequente de criação de riqueza, crescimento económico e “justiça social próspera” requer, em absoluto, realismo, clarividência na escolha das suas linhas fundamentais e as mudanças culturais e estruturais que estimulem o investimento produtivo e aumentem a produtividade e a competitividade. As medidas que se sabem necessárias para isso são, quase sempre, contestadas, rejeitadas e bloqueadas pelas Esquerdas, que:
Verbalizam a sua ideologia para manter a cultura marxizante que ainda subsiste, mesmo depois da tremenda experiência do PREC e das suas consequências na economia, fomentam uma cultura de suspeição em vez da de confiança, indispensável às apostas empresariais, contestam a economia de mercado, o “grande capital”, os lucros distribuídos aos acionistas, criando um ambiente negativo para o investimento produtivo privado. Havendo escassez de capital nacional, precisamos de ser competitivos na atração de IDE, sendo o discurso de vários partidos das Esquerdas absolutamente contrários a esse objetivo.
São hostis às grandes empresas privadas (incluindo a banca), esquecendo (?) que são elas que geram a maior parte do PIB e do IRC arrecadado pelo Estado, que a sua produtividade é bem superior à da generalidade das PME, que criam emprego com remunerações dos seus trabalhadores bastante superiores, que alimentam redes de PME suas fornecedoras, que criam marca.
Opõem-se à redução da carga fiscal sobre as empresas, indispensável para atrair investimento produtivo e de reforçar o re-investimento, limitando assim a capacidade produtiva e a competitividade do país (como ficou bem patente na discussão do Orçamento de Estado, onde, sob a liderança do atual PS, se procedeu a uma descida ridícula do IRC de 1%, situando-o em 20% , em contraste com os 12,5% na Irlanda…).
Rebelam-se contra tentativas válidas de flexibilização da legislação laboral que facilitem o aumento da produtividade e são comuns à grande maioria dos países europeus, criticam a atribuição de remunerações variáveis/prémios de produtividade em função do mérito individual.
Insistem na existência de um setor empresarial do Estado que, em geral, é consumidor de recursos em vez de libertador de recursos.
São avessos a reformas estruturais que permitem aumentar a eficácia das instituições e a competitividade da economia.
Pugnam por um setor público de grande dimensão, que obriga a uma enorme carga fiscal e, apesar disso, a um funcionalismo público ineficiente e mal remunerado, que influencia de várias formas as remunerações do setor privado.
A estabilidade política e a governabilidade só os preocupa quando delas beneficiam.
É necessário ser racional e realista
É neste quadro que temos vivido. É neste quadro que continuamos a ouvir o discurso das Esquerdas não sociais democratas e o seu posicionamento na Assembleia da República, fomentando a cultura pós-marxista prevalecente, que grassa também nos nossos media.
Atualmente, a composição parlamentar continua a impedir uma governação reformista, que priorize a criação de riqueza e proceda às reformas necessárias para que isso aconteça. Há mesmo autênticas forças de bloqueio ao desenvolvimento do país.
Sabemos, todos os portugueses, que não se pode distribuir o que não se produz e que há um grande trabalho a fazer para melhorar as imperfeições no que diz respeito à redistribuição por todos da riqueza criada. É óbvio que a remuneração dos trabalhadores é muito baixa, mas a melhor, a única, maneira de a aumentar é criando mais riqueza.
A democracia aceita a visão de todos, aperfeiçoa-se com as propostas e as críticas construtivas de todos, incluindo as causas (válidas) das minorias. Mas a democracia tem como primeiro objetivo promover e cuidar de sociedades prósperas em todos os domínios e não são indiferentes os sistemas políticos escolhidos para isso.
A história mostrou com total clareza que houve países que conseguiram conjugar a prosperidade económica com uma melhor justiça social. Os países do norte e centro da Europa são disso uma evidência incontornável.
É difícil compreender o que a evidência comprova que está duplamente ERRADO: por um lado, os regimes socialistas/comunistas não geram prosperidade; por outro, é absolutamente falacioso e falso que sejam apenas os partidos de esquerda que defendem os mais pobres desfavorecidos e que só eles se preocupam com a justiça social, pois as provas dizem o contrário: são os governos do centro e de direita que têm permitido gerar mais prosperidade aos cidadãos, pois criam mais riqueza, com ela melhores salários e aumentam a classe média.
A social-democracia, a democracia cristã, o liberalismo com preocupações sociais, são os sistemas políticos democráticos que convergiram, com alternâncias no poder e compromissos entre si, para a construção dos países mais ricos do mundo, com um Estado Social que a todos protege. E não vemos na Europa, nas Américas, no Extremo Oriente ou em África um único país onde vigorem regimes socialistas/comunistas bem sucedidos em termos de prosperidade. Como também vemos o partido populista de direita radical, trauliteiro, ziguezaguiante, errático na sua estratégia, pouco credível e não fiável constituir-se como o outro lado das forças bloqueadoras.
Se queremos, como povo, sair da cauda da Europa e aproximar-nos dos que têm maior qualidade de vida, é, racionalmente, quase incompreensível que os nossos eleitores não apostem em quem lhes pode oferecer melhores perspectivas de prosperidade, olhando ao longo prazo sem perda da atuação nas necessidades de curto prazo.
Votar só com base em preconceitos ideológicos, crenças e fanatismos, ou em sentimentos e emoções, positivos ou negativos, não leva a horizontes de esperança.