“Um Povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde veio, nem onde está, nem para onde vai, rodeado de uma burguesia cívica e politicamente corrupta até à medula e governado por dois partidos sem ideias, sem planos nem convicções.”
A tarefa de desfazer o nó eloquentemente enunciado por Guerra Junqueiro há mais de 120 anos revela-se complexa, pois 70% do eleitorado que vota insiste em preservar no poder dois partidos gémeos “que vivem do mesmo utilitarismo cético e pervertido, idênticos nos atos, análogos nas palavras” e que se limitam a dividir o bolo orçamental, “como duas metades dum mesmo zero”, a seu belo prazer num rotativismo (des)governativo há mais de 40 anos, com especial ênfase nos últimos 20.
Depois da Revolução dos Cravos que nos tirou do torpor de meio século de analfabetismo militante e tradições profundamente católicas, numa sociedade “orgulhosamente só”, retrógrada e opressiva, veio o caos que nos acordou para a vida e nos deu esperança e luz.
Após os Governos provisórios, o 25 de novembro, o fim do Conselho da Revolução nos idos de 82 e os primeiros Governos Constitucionais, houve com Sá Carneiro um “lampejo misterioso de nos arrancar a alma nacional”, que se esfumou num acidente/atentado que ainda hoje nos atormenta o espírito.
No ínterim e com Mário Soares, Freitas do Amaral e Pinto Balsemão, conseguiu-se, no meio das crises, da inflação e do FMI, criar-se um SNS e um Sistema Educativo funcionante, eletrificou-se o país, integrou-se um milhão de refugiados, com esse epíteto ultrajante de lhes chamarem retornados – a grande maioria já nascidos nos países de onde vieram – o país mudou e a esperança renasceu, culminando na reta final com a integração europeia nos idos de 1986.
Cavaco conseguiu a proeza de ter vendido o país às postas e aos desígnios europeus, em nome da integração e a troco de umas esmolas, sem que algo estruturalmente edificante tivesse restado de pé: construíram-se autoestradas e rotundas, privatizou-se a banca e os seguros, construiu-se uma economia de serviços, corrigiram-se muitos dos erros do PREC, incluindo a “reforma agrária” do “triunfo dos porcos”, mas esbanjaram-se muitas ajudas no supérfluo e no inútil, destruiu-se o caminho de ferro sem um vislumbre até aos dias de hoje de nos conseguirmos ligar à Europa, hipotecaram-se as pescas de forma irreversível para os espanhóis nos revenderem o produto do saque nas nossas águas territoriais, acabou-se com a indústria e a construção naval, por certo e por incapacidade de determinar o caminho a seguir, tal a sina que nos persegue. Não construiu uma verdadeira economia liberal e não aproveitou para desestatizar o suficiente e reformar a fiscalidade e a justiça. Primeira oportunidade perdida.
Guterres teve o condão de colocar o país a estudar, construir o Alqueva e incentivou os serviços, mas prosseguiu com a destruição industrial, engrandeceu a máquina do Estado e quando se fartou dos ataques dos seus confrades partidários, que sempre desconfiaram das suas virtudes pias, lá debandou para outros desígnios pessoais. Segunda oportunidade perdida.
Barroso velou pelos seus interesses, alinhou numa guerra de mentira, atuando como Valet de Chambre nos Açores e foi premiado com o lugar europeu de topo, sem voltar atrás e deixando-nos à mercê de um Santana deveras impreparado, que entregou de bandeja o país aos socialistas socráticos que se lhe seguiram e que quase nos destruíram. Não liberalizaram e não reformaram.
Fomos depois servidos por um primeiro-ministro “socialista”, e que hoje, passados mais de 10 anos dos factos, ainda aguarda por se saber se vai ser acusado do desfalque, que afinal se provará que provavelmente não aconteceu de forma inequívoca, e, quem sabe, passível de indemnização futura por acusações infundadas e até ser premiado por este “povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio que adoramos porque sofre e é bom”, com a Presidência da República lá para depois de 2030. Que mais no poderá acontecer?
Lá regressaram depois desta debacle merecedora de FMIs e Troikas, o PSD de um Passos sebastiânico que mais não fez do que aumentar brutalmente os impostos, vender tudo ao desbarato, incluindo os aeroportos a uma empresa francesa de terceira categoria, e as joias da rede elétrica nacional aos interesses do Partido Comunista Chinês, contra a vontade dos europeus e americanos, pelo meio acabando com o DDT, que se auto implodiu do alto do seu pedestal de arrogância e incompetência, e em epílogo pela alienação da TAP a um empresário astuto. Também não reformou, não desestatizou e muito menos liberalizou. Mais uma desilusão após tantos sacrifícios.
E agora que somos (des)governados há 8 anos por um Costa “socialista” e diligente em manter tudo na mesma, empoderado por uma maioria absoluta inverosímil e oferecida de bandeja pela incompetência dum PSD em distanciar-se dum partido extremista de direita, culminando com os 3,2 mil milhões de euros esfumados na TAP por um capricho ideológico e a perpetua incerteza de se saber onde se vai localizar o aeroporto internacional de Lisboa para gáudio dos espanhóis. Tem revelado clara incapacidade nas políticas de habitação, perseguindo inclusivamente um conjunto de empreendedores que em menos de 10 anos revitalizaram e restauraram os centros das cidades, revela-se também incapaz em reformar o SNS, o sistema de ensino e a justiça de maneira que não se vislumbra qualquer saída, e vemo-nos confrontados com o maior êxodo da população mais bem preparada de sempre em todos os quadrantes da sociedade, por mais não conseguirmos oferecer do que salários mínimos e impostos. Só falta mesmo, cair o céu em cima das nossas cabeças.
Aproximamo-nos velozmente do quinquagésimo aniversário do 25 de Abril e do noningentésimo aniversário da fundação do nosso país. Torna-se imperativo acertar o passo, obter acordos de regime para as grandes decisões estratégicas, determinadas pelo saber “de onde viemos, onde nos encontramos e para onde nos queremos dirigir”, na saúde, na educação, na justiça, na defesa, nas políticas de imigração e na organização do Estado e do território, e encetar um caminho de empoderamento do cidadão e das empresas, incentivadas por uma fiscalidade e justiça que premeiem a criação de valor de quem faz prosperar e nos possa alavancar e puna o aldrabão e o corrupto, servido por um governo facilitador e crente das suas gentes. Se formos capazes de o fazer, em breve todos quererão vir para cá.