A má nutrição está a desafiar quase todos os aspectos da nossa sociedade, contribuindo para problemas de saúde, desigualdades na saúde, no acesso à mesma, e nas despesas evitáveis ​​com cuidados de saúde a nível mundial. Dietas inadequadas foram responsáveis ​​por 11 milhões de mortes em todo o mundo em 2017, sendo um dos principais fatores de risco para mortalidade. O custo do tratamento de má nutrição e das doenças relacionadas com a nutrição é significativo, mas as perdas para a economia em geral são ainda maiores, ascendendo a quase $3.5 biliões anuais. O investimento em nutrição é crucial para a sociedade. O Banco Mundial estima que o investimento certo em nutrição poderá salvar 3.7 milhões de vidas até 2025. Assim como a Organização Mundial da Saúde estima que, para cada $1 investido em intervenções nutricionais, há um retorno económico potencial de $16. Mas que estratégias inovadoras estão a surgir na convergência dos setores de saúde e alimentar para colmatar estes fatos?

Os avanços na tecnologia e na investigação têm possibilitado grandes saltos na nutrição personalizada e na medicina de precisão. Técnicas de sequenciamento genético e de rastreio da microbiota, e os dispositivos móveis recolhem dados que ao serem analisados podem revelar correlações e padrões que são inatingíveis através de métodos convencionais de avaliação. Esta abordagem baseada em dados é complementada por tecnologias como inteligência artificial, que podem processar e analisar grandes conjuntos de dados rapidamente, fornecendo insights em tempo real que podem ser usados para ajustar o tratamento ou o plano nutricional de um paciente quase imediatamente. A personalização está a tornar-se fundamental na prevenção e gestão de doenças. Por exemplo, um profissional de saúde pode utilizar dados recolhidos sobre como um paciente responde a diferentes tipos de alimentos para elaborar um plano nutricional que é especialmente adaptado para controlar níveis de açúcar no sangue, pressão arterial ou inflamação. Ao tornar o cuidado de saúde mais centrado em dados, e ao implementar tecnologias avançadas, os prestadores estão melhor equipados para tomar decisões informadas que levam a melhores resultados para os pacientes, de modo personalizado e eficaz. Isto torna a nutrição personalizada e a medicina de precisão componentes cada vez mais essenciais na prevenção e gestão de doenças.

A tecnologia está também a desempenhar um papel cada vez mais importante na capacitação dos pacientes para assumirem o controlo da própria saúde. As aplicações móveis de saúde podem fornecer informações sobre a qualidade nutricional dos alimentos e ajudar os utilizadores a fazer escolhas mais saudáveis, ou permitir o rastreio dos alimentos que ingerem a cada refeição. Os dispositivos móveis podem complementar essa informação ao fornecer dados contínuos sobre a atividade física, frequência cardíaca, sono, nível glicémico e outros marcadores de saúde. A telemedicina, por sua vez, torna mais fácil para os pacientes consultarem profissionais de saúde de forma remota, o que é particularmente útil para o acompanhamento regular. A tecnologia está a democratizar o acesso à informação e a ferramentas de saúde, permitindo que os pacientes se tornem participantes mais ativos no seu próprio bem-estar. Consequentemente, otimizando o tratamento e a prevenção de condições de saúde.

A medicina integrativa ou funcional está a ganhar terreno. O foco vai para além dos sintomas apresentados e de uma perspectiva estritamente biomédica para uma abordagem que procura perceber o paciente como um todo, considerando fatores como saúde emocional, alimentação, estilo de vida e bem-estar social. Enquanto combina tratamentos médicos tradicionais com outras terapias como nutrição personalizada, práticas de mindfulness e mudança de estilos de vida. Por exemplo, um paciente com doença cardíaca pode ter medicamentos para controlar o colesterol, mas também consulta um nutricionista para uma dieta saudável para o coração e participa em sessões de mindfulness para gerir o stress. Esta abordagem procura resolver os fatores subjacentes que contribuem para a condição, oferecendo uma solução mais sustentável e abrangente para o bem-estar do paciente a longo prazo.

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A ascensão dos alimentos funcionais é outro fenómeno na interseção de tecnologia, investigação e nutrição personalizada. Estes são alimentos que satisfazem as necessidades nutricionais básicas, mas também contêm ingredientes que podem promover saúde e bem-estar, contendo probióticos, fibras, antioxidantes, ómega-3 ou outras substâncias bioativas. Como é o caso de lanches e bebidas até refeições preparadas. Isto deve-se em grande parte à resposta da crescente consciência dos consumidores sobre como a alimentação afeta a saúde e o bem-estar em geral. Esta tendência abre novos mercados e oportunidades de negócio para a indústria alimentar. Ao alinhar produtos com as necessidades de saúde específicas de diferentes grupos demográficos ou condições médicas, as empresas do setor podem responder à crescente procura por nutrição personalizada e medicina de precisão de um modo mais eficaz.

O foco crescente na sustentabilidade e nas escolhas alimentares éticas está a começar a influenciar tanto a produção de alimentos como a tomada de decisão em saúde. Isso inclui uma maior procura de produtos orgânicos, alimentos de origem local, e produtos de base vegetal ao invés de origem animal. Essa mudança está a ser observada tanto entre consumidores como no sistema de saúde, que está cada vez mais a reconhecer a ligação entre a saúde humana e a saúde do planeta. Por exemplo, hospitais e clínicas estão a começar a incorporar diretrizes de sustentabilidade nos seus programas de nutrição, optando por alimentos produzidos localmente ou que sejam certificados como orgânicos. Além disso, muitos profissionais de saúde estão a começar a considerar fatores ambientais e sociais nas suas recomendações alimentares, incluindo a promoção de hábitos alimentares à base de plantas. Ao fazer isso, o setor de saúde não só apoia práticas mais sustentáveis e éticas, mas também estimula a procura por tais produtos, o que pode levar a mudanças mais amplas na indústria alimentar.

Colaborações intersetoriais. O aumento da consciência sobre a importância da nutrição na saúde tem levado a uma colaboração cada vez maior entre as indústrias de saúde e alimentar. Um exemplo consiste na parceria entre hospitais e empresas de alimentos locais, ao fornecerem acesso a alimentos frescos e nutricionalmente ricos aos pacientes, podendo incluir programas de educação nutricional e de culinária que ensinam aos pacientes como preparar alimentos saudáveis de modo acessível. Além disso, algumas empresas tecnológicas estão a colaborar com ambas as indústrias para desenvolver plataformas digitais que permitem os profissionais de saúde monitorizar a adesão dos pacientes a dietas específicas ou medicação, e ajustar os planos de tratamento de acordo com os dados recolhidos em tempo real. Ao unir forças, as indústrias de saúde e alimentar têm a oportunidade de criar soluções mais eficazes e sustentáveis que beneficiam tanto os pacientes como o sistema de saúde.

O futuro da saúde é empolgante e está repleto de oportunidades. Uma maior coordenação governamental, investimento na investigação, atualização do ensino dos profissionais de saúde e inovação empresarial sobre nutrição pode acelerar o desenvolvimento e implementação de iniciativas inovadoras para um impacto positivo na saúde pública, na igualdade, na economia, na segurança alimentar nacional e na resiliência do país. No entanto, a verdadeira força motriz dessa mudança somos todos nós — os pacientes, os profissionais de saúde, os decisores políticos, os agricultores, os gestores, os produtores, os educadores, os académicos, os consumidores e os cidadãos. Juntos, podemos abraçar estas tendências emergentes, e ser os catalisadores para uma mudança positiva e duradoura. Não fique à margem; junte-se ao movimento e seja parte da solução para um futuro mais saudável e sustentável.

Maria Raimundo, 33 anos, é Engenheira Biomédica com especialização em Medicina Culinária e mais de 8 anos de experiência na área de Saúde Digital. Maria é certificada pela Harvard Medical School em Liderança de Transformação Digital em Saúde e Culinary Coaching. Trabalha com executivos de empresas de primeira linha na promoção de inovação e fomentando a transformação digital. Além disso, é empreendedora e founder. No MIT Portugal, fez pesquisa académica em áreas de ponta, melhorando o seu conhecimento em tecnologia e saúde. É professora auxiliar convidada na Católica Medical School e na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde leciona sobre Medicina Culinária e Literacia Alimentar. Faz parte da comunidade Global Shapers desde 2019.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.