Segundo Eric Topol, a ideia de irmos fisicamente ao médico vai ser tão estranha quanto nos dirigirmos a um videoclube. O mundo digital, que se encontrava até há pouco tempo distante da prática médica, está finalmente a convergir com a informação em saúde, tornando os atuais tempos de evolução da Medicina extraordinários. Nos tempos de pandemia que correm, temos presenciado um crescimento exponencial de soluções digitais disponíveis em Saúde, desafiando a Medicina convencional. Esta aceleração veio dar grandes oportunidades a uma Medicina mais focada no utente, mais personalizada e participativa, em que é a informação que viaja e não a própria pessoa. A virtualização dos cuidados de saúde é inevitável para um melhor acompanhamento do cidadão no dia-a-dia.

O futuro da Medicina centra-se na oferta de uma imagem completa de saúde individual, incluindo dados sobre diagnósticos, opções de tratamento, análises e exames, medicação, medição de sinais vitais, parâmetros sócioeconómicos, histórico clínico, hábitos alimentares, exercício físico, entre outros. O acesso a toda esta informação dá oportunidade de tornar os serviços em saúde mais transparentes e de tornar a Medicina de reação numa Medicina de prevenção. Os cidadãos são, deste modo, colocados no centro do processo de decisão e com mais controlo sobre o próprio bem-estar e saúde.

Desde 1998, que Portugal tem feito grandes avanços na oferta de serviços de saúde à distância, como, por exemplo, as teleconsultas. No entanto, o desenvolvimento destas atividades foi emergindo conforme as necessidades apresentadas ao longo dos anos. Consequentemente, surgiu a necessidade de atualizar as infraestruturas dos hospitais e clínicas para suportar as soluções emergentes. As iniciativas digitais culminaram em estratégias nacionais de Telessaúde (PENTS 2019-2022) e do Ecossistema de Informação de Saúde (ENESIS 2020-2022), precisamente para coordenar os esforços, de maneira a garantir uma implementação de tecnologias harmonizada ao longo do país e integrada no sistema nacional de saúde.

Mas como está o cidadão português a tornar-se mais ativo na sua saúde? Desde 2012, que em Portugal existe uma plataforma de acesso a dados de saúde, a Área do Cidadão do Portal SNS. Esta é utilizada por 2,25 milhões de portugueses, com inscrições diárias de mil utentes e com uma média de 15 mil acessos diários. Entre os serviços disponíveis, encontra-se o acesso ao Registo de Saúde Eletrónico (RSE), que conduz o cidadão pelo processo clínico, possibilitando a marcação de consultas (eAgenda), a consulta de dados de saúde e resultados de exames, a renovação da medicação, a consulta do tempo de espera para uma cirurgia (SIGIC), a consulta do boletim de vacinas digital, assim como o preenchimento de informação adicional relevante.

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Apesar do planeamento de implementação e operação, têm sido registadas dificuldades a nível de investimento de equipamento e de literacia digital. Há, por exemplo, hospitais sem o equipamento necessário para cumprir os objetivos delineados nas estratégias nacionais e sem os sistemas que suportem as soluções digitais aconselhadas. Adicionalmente, há falta de capacidade dos profissionais de saúde para utilizar as soluções digitais, incapacitando as exigências e responsabilidades atuais. O que se verifica também na população idosa que, por sua vez, é a que tem menor literacia tecnológica e a que tem mais necessidade de adotar soluções digitais disponíveis.

Para Portugal tirar o maior proveito dos dados de saúde, é essencial delinear a estratégia de integração de dados de saúde, apostar em parcerias público-privadas e adotar normas europeias para a partilha e acesso de dados para investigação, para a prática clínica e para a utilização por parte dos cidadãos. A integração dos dados a nível nacional significa centralizar os registos, num Registo de Saúde Eletrónico (RSE) único, acessível através de uma plataforma. Deste modo, o cidadão poderá ter maiores benefícios de acesso e mobilidade em todo o sistema de saúde em Portugal. No entanto, nada será possível alcançar se não forem desenvolvidas sinergias público-privadas, quer a nível hospitalar, académico, empresarial, governamental ou mesmo individual. Há urgência em pensar num modelo de incentivo para todos estes stakeholders. Temos que fornecer as condições necessárias aos hospitais e clínicas, temos de suscitar o trabalho académico com maior apoio financeiro, temos de incentivar empresas e ideias inovadoras! Daí a grande importância de delinear desde já as normas europeias, tanto relacionadas com estruturas de governação, como no acesso e partilha de dados de saúde transfronteiriços. A implementação de tais normas permitirá a evolução das infraestruturas para integração de dados a nível europeu, a mobilidade dos cidadãos pela Europa, o acesso a informação proveniente de investigação, assim como o aumento de oferta e qualidade de formação.

Ao focarmo-nos numa base sólida de infraestrutura, acesso e partilha de conhecimento, Portugal estará mais apto na adaptação constante à transformação digital em saúde, e de modo sustentável.

Maria Raimundo, 29 anos, é Engenheira Biomédica com mestrado em Empreendedorismo e Inovação em Saúde. Em 2017, começou o programa de doutoramento do MIT Portugal em Bioengenharia, no Instituto Superior Técnico. A sua investigação de doutoramento foca-se nos desafios da utilização e partilha de dados de saúde. Os seus interesses em eHealth, medicina personalizada, genética, nutrição e inovação levaram-na às Nações Unidas, ao MIT, para além de startups. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub no final de 2019.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.