No último mês fomos surpreendidos pela comercialização de uma peça de vestuário por parte da marca norte-americana Tory Burch, muito semelhante à típica camisola da Póvoa do Varzim, conhecida como camisola poveira.
A associação desta peça de vestuário como criação de moda de Tory Burch gerou polémica e escrutínio aos vários artigos da marca.
Verificou-se que Tory Burch também comercializa loiça de mesa semelhante à das Caldas da Rainha, à loiça de Coimbra e até o logótipo da marca norte-americana se assemelha ao do criador de moda português Nuno Gama, que, desde sempre, se inspira na cultura portuguesa para os seus desfiles e criações de moda, tendo a camisola poveira servido de inspiração para a sua coleção de 2006.
Basta dar uma vista de olhos nas coleções de Tory Burch e torna-se evidente a inspiração em Portugal, na nossa cultura e nos nossos criadores de moda. Mas e se a inspiração ultrapassar “limites” e se tornar numa cópia?
A polémica gerada em torno da marca Tory Burch surge desta questão. Será que a camisola divulgada e comercializada como uma criação de moda de Tory Burch é uma inspiração na camisola poveira ou uma cópia?
Comparando a camisola de Tory Burch com a camisola poveira, verificamos que o design é semelhante, as diferenças ténues circunscrevem-se à zona do pescoço e decote, que na camisola poveira é composta por atilhos entrelaçados e na de Tory Burch por dois atilhos, um de cada lado, que podem ser atados e ajustados ao pescoço. Ambas são rematadas junto ao ombro e têm barras nos punhos.
Tanto a camisola poveira como a de Tory Burch são compostas por lã branca decorada com elementos alusivos ao mar e à cultura portuguesa em ponto cruz, sendo um dos elementos característicos a coroa real portuguesa, que Tory Burch reproduziu.
Os locais onde as camisolas são decoradas com elementos são os mesmos e os desenhos semelhantes e dentro da mesma temática.
Contrapondo as características específicas das duas peças, as diferenças apresentadas são pormenores sem importância, nunca diferindo o suficiente para que a peça da marca norte-americana tenha carácter singular.
Se fizéssemos a experiência de vender a camisola de Tory Burch no mesmo local da camisola poveira, não temos dúvidas de que passaria como sendo do mesmo autor das outras peças, pois as pequenas diferenças que tem não provocam qualquer impressão global diferente, inexistindo novidade na camisola da marca norte-americana.
A camisola poveira faz parte do traje do pescador poveiro, feito por artesãs há 150 anos, sendo representativa da cultura piscatória da Póvoa do Varzim. A reprodução ou interpretação da marca norte-americana não reveste qualquer trabalho intelectual artístico e, consequentemente, não tem individualidade própria, nem qualquer obra subjacente, o que é critério para ser considerada como uma criação de moda.
Assim, aquela peça de Tory Burch é, sim, uma inspiração muito próxima da cópia da peça de vestuário fabricada por artesãos portugueses e que pertence ao nosso património cultural.
No limite, teremos um caso de apropriação cultural que já não é novidade na Moda (veja-se o caso Louis Vuitton vs. Tribo Maasai Mara), ou até o crime de contrafação, confirmando-se que a peça de vestuário de Tory Burch é uma cópia da camisola poveira, da qual fez uso e se arrogou como titular, punido com pena de prisão até 3 anos e multa de 150 a 250 dias (arts. 196º e 197º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos).