Os preços dos combustíveis estão a subir novamente e as perspetivas futuras não são muito promissoras. Vivem-se tempos difíceis para quem do crude ainda depende, como uma fatia significativa do setor de logística e transportes. Atribui-se a Einstein a célebre frase “no meio de toda a crise reside uma grande oportunidade” – e não vejo timing melhor para incentivar as pessoas a transitar dos carros particulares para meios de transporte mais sustentáveis. Este é o momento.
Não admira que o tema deste ano da Semana Europeia da Mobilidade, uma iniciativa da Comissão Europeia para apoiar a mobilidade sustentável, seja então “economizar energia”. Serve para nos lembrar que a mobilidade urbana sustentável e a mudança para longe dos combustíveis fósseis nos aproximarão do objetivo europeu de neutralidade climática.
A situação atual não é algo estranho nem novo; basta recuarmos à década de 70. Os anos da crise do petróleo resultaram em mudanças significativas nos hábitos de mobilidade nos Países Baixos. É difícil imaginar este cenário agora, mas na verdade os holandeses eram fervorosos adeptos do carro particular; hoje, porém, estima-se que as bicicletas no país – que se tornaram um símbolo representativo do mesmo – superem em 5 milhões o número de habitantes do mesmo, totalizando 22,5 milhões destes velocípedes.
As pessoas tiveram que procurar alternativas, e as bicicletas acabaram por ser a melhor alternativa; pouco depois da sua maior adoção, as cidades neerlandesas começaram a ajustar as suas infraestruturas para ir de encontro a estes novos hábitos de mobilidade, implementando largos e densos sistemas de ciclovias. Ainda que o nosso país não tenha sido tão afetado na altura, a verdade é que nos últimos 40 anos, com especial destaque para a última década, tem-se observado uma maior e melhor promoção de transportes públicos, os primeiros e mais evidentes sinais de mudança, com maior ênfase para a criação de ciclovias e faixas exclusivas para autocarros, visando melhorar a mobilidade urbana e incentivar modos de transporte mais sustentáveis.
Também a consciencialização para a problemática tem surtido efeito, com 93% dos europeus num recente inquérito da Comissão Europeia a demonstrar preocupação no que toca aos desafios climáticos. Há um caminho que deve ser feito para mover a Europa em direção a um futuro neutro em carbono até 2050, e que passa pela mudança dos carros particulares para a mobilidade partilhada. A boa notícia é que essa mudança já está a acontecer.
Atualmente os veículos de mobilidade partilhada, como sejam trotinetes ou bicicletas elétricas, têm provas concretas dadas do seu benefício não só enquanto meios viáveis de transporte, mas também enquanto alternativa de peso ao nível ambiental: têm substituído milhões de quilómetros de viagens de carro, traduzindo-se por sua vez em milhões de toneladas de emissões de CO2 poupadas. O que se nota também cada vez ao nível setorial é uma tendência rumo à intermodalidade, ou seja, o uso destes meios enquanto solução de primeira ou última milha que complementa o autocarro, comboio ou metro – e, sobretudo, que a micromobilidade tem potencial para apoiar outros meios de transporte sustentáveis, para o benefício das cidades.
A convergência destes fatores está a fortalecer esta tendência. Ora, então o que mais pode ser feito para ajudar as pessoas a abrir mão de seus carros particulares? Agir. Existir um trabalho feito de mãos dadas, a par e passo, entre os vários intervenientes. Por um lado, uma promessa de segurança, com diretrizes que fortalecem ainda mais a segurança das trotinetes, desde altos padrões de segurança no veículo até à abordagem a comportamentos de risco mais frequentes, para que se estabeleça um novo padrão para toda a indústria; por outro, é necessário pensar à “holandês”: repensar infraestruturas e assegurar que estas são robustas o suficiente para conseguirem acolher todo o tráfego que, esperamos, consiga ser considerável nos próximos anos.
Paremos de construir parques de estacionamento intermináveis – porque não mais um espaço verde nesse local? A micromobilidade veio para tirar alcatrão e permitir mais árvores. A mudança não é responsabilidade de um só; cabe a todos unirmo-nos em torno daquela que é, a meu ver, a única visão possível para o futuro sustentável de todos, e trabalhar para a garantir. Por mais que esperemos que a situação económica se reverta rápido o suficiente, os setores de transporte partilhado e público não têm de esperar – podem transformar os desafios em oportunidades. Parece impossível, mas, como diz a letra de uma canção portuguesa, há sempre estrada para andar.