A “febre” da micromobilidade já não é nova; se em algumas nações como os Países Baixos ou a Dinamarca já está bem assente e amadurecida, noutros ainda há um caminho a fazer para que estes mercados cresçam e floresçam da melhor maneira, contribuindo assim não apenas para as ambicionadas metas de descarbonização, mas sobretudo para melhorar a qualidade de vida nas cidades. No entanto, a precipitação na sobrevalorização das empresas do ramo criou uma expectativa que, poucos anos volvidos, começa a criar um dilema, de seu nome consolidação de mercado.

Podemos olhar para isto de prismas diferentes. Um fenómeno testemunhado um pouco por todo o mundo, Portugal inclusive, é o da chegada súbita de operadores de micromobilidade, com veículos disponíveis a preços incrivelmente baixos, ofertas e descontos à boleia para uma primeira impressão de impacto. O seu público-alvo, frequentemente mais jovem, está cada vez mais ciente da utilidade e importância destes meios de transporte, mas com poder de compra algo limitado. Meros meses decorridos, o mesmo operador sai de cena, para nunca mais vermos os seus veículos a circular. O que se passou? Qual o seu legado? A meu ver, a pressa em gerar receitas e tentar mostrar algum tipo de escala de mercado acaba por ser uma realidade utópica que, no final de contas, não apoia os bons operadores do setor que lutam por cidades organizadas, limpas e com mobilidade eficiente.

Por entre licenças, regulamentação adequada e sucesso operacional, a estratégia das empresas do ramo tem que primar pela resiliência. Uns optam por entrar em mercados mais abertos a novos intervenientes, com menos limitações,  por outro lado, temos também o caso de abandono de operadores visto pela lente do coloquial “pecar por excesso”. Isto é, a regulamentação em demasia também invalida, na maioria das vezes, a capacidade de crescimento de operadores que queiram expandir nesses mercados de forma regulamentada e abraçar verdadeiramente os prospectos de investir nas comunidades para uma melhor mobilidade.

Num negócio complexo de gerir, é essencial que o equilíbrio resida no compromisso entre todos os envolvidos. A concorrência é sempre boa, sobretudo do ponto de vista dos utilizadores e, daí é importante termos sempre as portas abertas a novas entidades que procurem trazer um acrescento de valor devidamente enquadrado, porém, o atual sistema de leilão utilizado por muitas autarquias pende melhorias. O exemplo de Paris, ainda que haja muito a dizer sobre a representatividade da massa populacional que votou, é caso flagrante de como este modelo pode levar a uma inércia; a conquista de licenças com base em promessas não chega.

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A inovação, sobretudo na qualidade, precisa, assim, de competição. Uma que esteja assente em critérios e regulamentação justa e síncrona com o momento que o mercado atravessa, e que proporcione simultaneamente a liberdade necessária para que se estimule a implementação de um melhor e mais tentador serviço para todos, uma melhor proposta de valor. É importante frisar que a qualidade do serviço inclui a concorrência por melhores soluções de segurança para os utilizadores e transeuntes. Um mercado mais livre obriga os operadores a adaptarem-se e a atualizarem constantemente a sua oferta de segurança, por ser um pilar fundamental da experiência atual de micromobilidade.

Ainda assim, a tendência que observamos é a de condensação de intervenientes. Basta uma simples pesquisa pelo tema, por exemplo no LinkedIn, para perceber isto. Um dos maiores intervenientes, com presença em bastantes países, foi forçado a pedir proteção de falência no final do ano passado; outro encerrou atividade na maioria dos seus territórios de atividade e procura vender os ativos; já não se vêem grandes rondas de investimento com regularidade no setor. Isto tem que ser um sinal de alarme não apenas para as operadoras, mas para a sociedade.

A conquista de mercado neste setor faz-se de cidade em cidade, sendo cada caso único e singular. Isto leva a que cenários de fusão e aquisição entre empresas do setor não resultem necessariamente num aumento da eficiência ou qualidade do serviço. Assim, qual é a vantagem desta consolidação? Apostemos antes na sinergia de esforços entre operadores, legisladores e autarquias para mudarmos os centros urbanos, apoiando um ecossistema de inovação e impulsão rumo a alternativas cada vez melhores de mobilidade sustentável.