Seria assim que iria ficar uma chamada com origem na sua vontade Sr. Presidente Marcelo.
Sou a Alexandra.
Nunca irá possivelmente saber que eu existo e como existo no mundo de quem cuida.
Uma Enfermeira do seu Portugal ou Portugalinho como lhe queira chamar.
O país que o senhor comanda e orienta.
Iniciei funções na melhor altura de sempre! Anos 90! Lembro bem da forma como íamos trabalhar, o sentido de família, no meio do esforço de deixar os nossos. Lembro-me do sabor do desconhecido, mas assim que aterrava nos “meus” Intensivos esquecia até a família que tanto amava!
É estranho eu sei! Mas quem tem uma missão destas nas mãos não é obrigado a nada! Sai-nos da alma, do corpo, da mente, e de cada célula que temos espalhada pelo corpo, uma vontade inexplicável de ajudar de quem nós precisa, mesmo num corredor da morte invisível que hoje temos!
Sabemos quase só um sentido neste caminho que escolhemos. Abdicamos de muito para mergulhar nestes cuidares transversais a tudo em que mexemos, quando “lá” estamos.
Muitas vezes cheguei a pensar se não seria uma espécie de vício, este que ainda hoje sinto ao perceber alguém que precisa de ajuda imediata.
Vi vários de nós a deixarem os seus casamentos de lado, deixarem os seus filhos crescerem com amas ou avós até larga idade, ou sem as suas presenças nos dias festivos. Lembro bem do vazio que isso trouxe a alguns, quando o espectáculo acabava nas suas vidas.
Isto não tem preço Professor Marcelo.
Mas também nenhum de nós consegue explicar verdadeiramente o que se passa lá “dentro”!
Espere…
A não ser se, à semelhança de Boris, tenha encontrado um Luís, não num ataque de caspa, mas num posto de vigia pela sua vida. Aí talvez a sua vida tenha outra cor e forma e até sentido. O Luís aprendeu cá como se era um bom Enfermeiro, levando as mesmas bases de formação de milhares de nós. Saiu do país porque percebeu que talvez fora dele o reconhecimento fosse mais nobre, quanto mais não fosse na sua conta ao final do mês.
Triste não é?
O Luís está a começar a sua jornada, mas eu estou com 22 anos em cima das minhas memórias, histórias e lágrimas.
Congratular o Luís pelo seu esforço deixa-me envergonhada com o país que tenho. Dar os parabéns ao Luís pelo desempenho que ele teve, é omitir descaradamente tudo o que eu fiz ano após ano, rotineiramente nos meus turnos, com a alma toda no sítio.
Senhor Presidente, este País merecia que todos nós nos deslocássemos para fora e fôssemos procurar o dito louvor que também precisamos para continuar de pé e pagar a água, a luz, ou a educação para os nossos filhos serem alguém na vida!
Curiosamente não é o senhor que me prende cá, nem o desgoverno ou o desrespeito por cada um de nós, nem foi a minha família. Não. Quem me prende cá são mesmo os utentes que agora em cuidados de saúde primários me aguardam para os abraços que curam, para as palavras não virtuais e para os escutar e ouvir como se fôssemos as últimas peças dos seus puzzles.
Se calhar pouco importa, mesmo que esteja a galgar a montanha para o mundo dos idosos, que ficam à deriva nas suas fragilidades e necessidades maiores. Os idosos que agora tanto me preenchem e me fazem sair de casa num amor igual ao que dou aos meus.
Aquela chamada ao Luís não me diz nada. Nada mesmo! Ao contrário de Boris, que o mencionou e conhece agora quem lhe fez bem, o senhor deveria ter começado pela origem daquele desempenho.
O Enfermeiro Luís merece sim tudo o que lhe foi reconhecido, mas todos nós deste lado merecíamos também ser chamados e louvados pelo nome, pelos actos, pelo desgaste físico, monetário e de alma que temos todos os dias!
Não me ligue Se Presidente Marcelo, porque iria ficar uma chamada em espera até perceber quem são os seus profissionais de saúde. E lhes dar o que eles precisam mais do que nunca.
Neste momento faço contas para sobreviver mais um mês. Nada que lhe interesse, até porque se já não somos ouvintes e cuidadores de base, tudo o que vem é hipocrisia!
As suas palavras não contam para a nossa vontade em prosseguirmos orgulhosos e com muito receio pelo que vamos ter para os nossos filhos.
Importa mudar a forma como se trata de quem cuida. Se agora tivéssemos falhado nesta batalha que ainda decorre, talvez nos tivesse ligado um a um!
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