Apesar de ainda estarem sem dia ou dias marcados (porque seis meses é demasiado tempo para começar a preparar qualquer eleição, ainda para mais, em tempos de pandemia), as eleições autárquicas estão à porta e com elas sinto a borbulhar em mim todo o entusiasmo de quem vê comissões de festas a preparar as romarias da aldeia.
Em qualquer parte dos 92.212 km² de Portugal, as comissões de festas funcionam da mesma forma. Compostas por um conjunto de pessoas em que algumas trabalham, outras fingem e outras apontam para si quando se pergunta por nomes de bons cantores, todas as comissões de festas se queixam das condições que lhes são dadas (o orçamento é sempre curto para atrair verdadeiros artistas e pagar os três fogos de artifício que os dois dias de festa reclamam) e acabam por escolher o artista que mais alto consegue cantar, que tanto canta como dá uma mãozinha na barraca das bebidas, que nunca ouviram ou que apenas viram fazer playback num qualquer canal generalista. Seja como for, os planos apenas ficam prontos tarde, quando as pessoas começam a chegar para a festa.
Parece-me que a preparação partidária das autárquicas tem assumido contornos semelhantes.
Repare-se, não me oponho a que que sejam feitas ricas metáforas que comparem as autárquicas a festas, desde as mais simples «As eleições autárquicas são as festas da democracia» às mais elaboradas «As autárquicas são como festas: há demasiado barulho, só nós é que não estamos bêbados e os artistas interessam-se tanto pela terra onde estão a atuar que o mais provável é que se enganem no seu nome até ao final da noite», mas oponho-me a que os partidos ajam como se autárquicas e romarias fossem a mesma coisa.
Não me parece aceitável que possam os partidos queixar-se da falta de vis attractiva dos cargos municipais (como fazem as comissões relativamente aos seus magros orçamentos) quando, por exemplo, um presidente de câmara em exclusividade ganha entre 2.500 euros e 3.500 euros (no mínimo, portanto, quase o dobro do salário médio nacional). Em todos os quadrantes políticos existem cidadãos com capacidade e vontade de contribuir ativamente para o governo da sua autarquia, simplesmente podem não o querer fazer enquadrados em partidos políticos, atuais máquinas mais dedicadas a conluios e complôs do que a servir. De resto, foram os próprios partidos que, através de uma série de limitações absurdas e anti-democráticas, tentaram dificultar a participação desses cidadãos nas eleições.
É igualmente inaceitável que a esta distância das eleições existam tantos partidos que ainda não tenham apresentado candidatos para grande parte dos municípios. Das duas uma: ou já se conhece o candidato e não se quer ainda revelá-lo – o que é incompreensível; ou ainda não se conhece o candidato… o que é incompreensível. À última hora, os melhores artistas ou já estão ocupados, ou simplesmente já não estão interessados.
Mas o que mais tenho visto, é uma infeliz escolha dos protagonistas que parece em tudo seguir os mesmos padrões das escolhas das comissões de festas. É pequenos criminosos locais de fácil fanfarra, é artistas de televisão, é artistas na arte do improviso e é artistas que assumem compromissos (neste caso, mandatos) nacionais e europeus para as mesmas datas, admitindo ainda que, na verdade, queriam era estar a atuar no Palácio de Belém… é uma verdadeira pandega que até entretém, simplesmente não é esta a festa da democracia que queremos.
Talvez os cidadãos ouçam estes artistas. Talvez os cidadãos (sem melhores escolhas) votem e com isso se considerem os partidos legitimados nas suas escolhas. Mas talvez os partidos se devessem recordar, que mesmo nas festas da aldeia, todos cantamos em coro com os artistas que nos são oferecidos – isso não significa que a comissão os tenha escolhido bem.