No passado dia 8 de abril, foi aprovado na generalidade um projeto de lei que propõe a substituição temporária dos deputados que se candidatem a Presidente da República, a deputado nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e aos órgãos das autarquias locais.

Pese embora tal não tenha sido evidente para os partidos com assento parlamentar (que a aprovaram sem votos contra), a proposta de permitir a suspensão do mandato dos deputados para que estes se candidatem a outros cargos (muitos dos quais incompatíveis com as suas funções) é bacoca, alargando desmesuradamente as possibilidades de suspensão de mandatos e criando dificuldades na delimitação dos factos que a justifiquem. Se um parlamentar pode suspender o seu mandato para concorrer a Presidente da República ou à freguesia de Gáfete, porque é que outro não há-de poder fazê-lo para concorrer a um cargo privado ou simplesmente porque deseja fazer a primeira travessia do Atlântico em mariposa?

A este propósito, na sua exposição de motivos, o projeto de lei apresentado argumenta que a Constituição prevê o “direito de participação na vida pública e do direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos”. É verdade e é indiscutível que o deve fazer. Mas será que justifica que se suspenda a participação em cargos públicos, para se permitir a mera candidatura… a outros cargos públicos?

O maior óbice à referida proposta, e que joga mais a desfavor dos próprios partidos do que estes conseguiram enxergar, é que o hábito de institucionalizar suspensões de mandatos e sucessivas substituições de deputados cria sensações facilmente utilizáveis pelos omnipresentes populismos. Por um lado, cria a sensação de que os parlamentares são facilmente substituíveis e que nenhum entorpecimento é criado pela sua substituição temporária nas suas múltiplas lides. Se assim é, existe um claro descrédito das suas funções, que justifica os clamores por reduções abruptas do número de deputados. Por outro lado, crendo na complexidade das lides parlamentares, as constantes substituições dos seus executantes deixam exposto o desmazelo com que são assumidas e exercidas.

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No fundo, a aprovação deste projeto de lei visa dar cobertura à tendência dos deputados se candidatarem aos mais diversos cargos públicos durante o exercício do seu mandato.

Os dados das eleições autárquicas que se aproximam são eloquentes quanto a esta prática: tudo indica que 23 dos 230 deputados são candidatos nas eleições autárquicas. Dito de outra forma: um em cada 10 dos nossos eleitos para a Assembleia da República pretende deixar de o ser até ao final deste ano, violando assim o pacto que connosco firmaram. Não podemos esquecer que mandato vem do latim mandatum que significa dar em mão, confiar ou encarregar.

Esta prática demonstra a falta de seriedade com que se encaram os cargos públicos em Portugal. Alguns são vistos como pontos de repouso para saltos maiores, servindo enquanto outras eleições não se aproximam. Outros são vistos como cargos de tão leve responsabilidade e simplicidade que permitem uma fácil acumulação com outros, igualmente leves, igualmente irresponsáveis. Acima de tudo, todos parecem ser de fácil revezamento ou rotatividade.

Muito se estranha não ser claro a todos os multifacetados candidatos que não é exatamente a mesma coisa ser-se deputado na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu, Presidente de uma Câmara Municipal ou da República – as funções são diferentes e os interesses em causa são distintos.

Quem considera admissível candidatar-se a um mandato em detrimento de um outro que a meio vai, talvez devesse ser objeto de forte escrutínio e quem se considerar apto a exercer indiscriminadamente todas estas funções talvez nenhuma devesse exercer.

Seria importante, quando os debates chegarem, perguntar a estes candidatos-deputados se se consideram tão aptos a ser deputados como presidentes de Câmara e se contam também deixar o seu mandato autárquico a meio para prosseguirem os seus sonhos de realizar a travessia do Atlântico a bruços.