Esta pode ter sido uma das perguntas que mais me fizeram desde que me mudei para Portugal, há alguns anos. A fazê-la não encontrava apenas os amigos ou colegas de outros países que viam Portugal como uma nação no extremo oeste da Europa, mas até os próprios portugueses. Depois de alguns anos neste país, percebi que podia partilhar uma descrição geral do que caracteriza um português, pelo menos descrever um estereótipo, e em seguida enfatizar o quão longe estava da verdade. Se eu tentasse enumerar as características distintivas que constituem um português, cairia em clichés.

Ao mudar-me para Portugal, nunca imaginei que faria desta paragem uma espécie de destino final. À chegada a Portugal, sabendo apenas umas palavras em português e sendo todos os meus amigos internacionais, pareceu-me seguro e confortável ficar naquela bolha, embora compreendesse haver um caminho a percorrer para que o país estivesse verdadeiramente preparado e aberto a estrangeiros. Portugal, porém, conquistou o meu coração e tornou-se a casa que cuidava de mim no bem e no mal, na felicidade e na tristeza, no sucesso e no fracasso.

Fechando os olhos e imaginando os elementos que formam um português, vejo o rosto de uma avó que te recebe na sua casa mesmo que não sejas sua neta, que faz o bacalhau no Natal e espera para saber se queres repetir, é a família que te adota porque tem tanto amor para dar e te faz sentir tão sortuda, a pessoa que te estende a mão quando precisas de te levantar e te dá um ombro para chorares as tuas lágrimas, os amigos que celebram os teus sucessos e estão lá para beber contigo nos teus fracassos; os membros de uma comunidade que pensa de forma tão diferente mas que se respeita e se valoriza o suficiente para aplaudir e dar espaço às opiniões individuais. Quando penso em casa, não penso apenas em Portugal, mas sim no português que é a minha casa. Não consigo imaginar-me sem o carinho e o valor que têm demonstrado, o que tornou tempos difíceis em tempos mais aceitáveis.

Mas é por tudo isto que também tenho de admitir a profunda tristeza que senti durante o fim-de-semana eleitoral, ao ver os resultados serem divulgados. Não vou utilizar este fórum para partilhar as minhas opiniões políticas e certamente deduzirão, por algumas das pistas que dei acima, um par de coisas a meu respeito. No entanto, ao ouvir os comentários durante os dias que se seguiram às eleições, senti-me bastante triste por, enquanto imigrante neste país a que chamo de lar, a minha voz não ter sido ouvida, não pudesse deixar a minha marca e não tivesse contribuído para moldar um panorama no qual serei agente.

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“Mais quatro anos disto…”, “Uma noite má para o povo deste país”, “Isto é democracia! O povo falou!”.

Bem… talvez algumas pessoas se tenham manifestado, mas outras não o puderam fazer.

Em 2020, aproximadamente 670 000 cidadãos estrangeiros residiam em Portugal legalmente, detentores de um título de residência, dos quais cerca de 250 000 eram europeus – da UE e de fora da UE. Tendo em conta o tempo que já passei em Portugal, penso ter feito parte desta estatística. Apesar do tanto que dei e recebi, estar a construir a minha vida aqui, fazer um esforço para me adaptar e contribuir com o melhor das minhas capacidades, distinções como esta tornam difícil não me sentir deslocada ou em casa de outrem. Para muitos, votar até se pode ter tornado evidente e um dever a desempenhar desinteressadamente a cada dois ou quatro anos. Contudo, para alguns de nós, nos quais a possibilidade de votar foi instituída como uma das maiores demonstrações de vontade, poder e decisão, retirar-lhes essa possibilidade apenas porque escolhemos viver num lugar diferente de onde nascemos é doloroso e injusto.

Atualmente, nas eleições locais, o direito de voto dos cidadãos estrangeiros em Portugal está sujeito, por um lado, a um requisito de nacionalidade e, por outro, a uma condição de reciprocidade. Dito isto, porém, o acesso ao voto para a Assembleia da República é limitado aos cidadãos, com exceção dos cidadãos brasileiros titulares do Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos. Estas exceções, embora constituam uma oportunidade para estas pessoas participarem no processo de tomada de decisão e escolherem o tipo de governo que irá avançar iniciativas com impacto nas suas vidas, excluem os residentes que respeitam as normas, contribuem para melhorar o país e a sua economia e que podem ver-se profundamente favorecidos ou prejudicados pelas decisões de outros. Compreendo que a extensão do direito de voto a não cidadãos é uma questão que causará discórdia e assenta em muitos outros debates inconclusivos, o meu objetivo não é lançar um apelo à ação desmedido.

Que atire a primeira pedra quem nunca se queixou dos atrasos burocráticos e dos tempos de resposta administrativa… A restrição do direito de voto apenas aos cidadãos ou a um grupo de residentes estrangeiros tem de ser acompanhada de ações pertinentes por parte do governo. Atualmente, o processo de nacionalidade por naturalização está estimado em 48 meses ou mais, a partir do momento do registo do pedido. Para poder solicitar a nacionalidade portuguesa é preciso ter residido pelo menos 5 anos no país. Contudo, pode argumentar-se que os residentes que tenham ativamente empreendido todos os passos para alcançar o Santo Graal da nacionalidade possam gozar dos mesmos direitos dos que apenas diferem na quantidade de nomes e apelidos que têm.

Por isso, se eu dissesse agora como é um português, diria que é tal e qual como eu. Ficamos igualmente zangados quando a nossa equipa de futebol perde – seja o Benfica ou o Sporting –apreciamos a mesma comida, odiamos o trânsito de Lisboa e amamos este país com o mesmo fervor.

A diferença é que eu não posso contribuir para decidir os valores que levarão este país para a frente, mas ele sim.

Nevin Alija é Responsável pela área de Assuntos Europeus na Galp Gás Natural Distribuição , co-fundadora e investigadora no Nova Law Green Lab, centrando-se nas áreas do Direito da Energia e do Clima, e Doutoranda na Universidade Católica Portuguesa. Foi seleccionada para os Future Energy Leaders Portugal, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Energia (APE) e do Conselho Mundial da Energia (WEC). Integra o Global Shapers Lisbon Hub desde Junho de 2020. Quaisquer opiniões expressas são exclusivamente pessoais e não exprimem os pontos de vista ou opiniões dos Global Shapers ou respectivo empregador.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.