Tenho pela ideologia comunista a mesma aversão que tenho pela ideologia fascista, ou por quaisquer outras ideologias ou programas que conduzam a totalitarismos. Tenho os mortos e vítimas dos diferentes comunismos presentes ao lado dos mortos e vítimas dos fascismos, do nazismo e de outros totalitarismos. Ainda assim, meço o PCP por outras bitolas, que não apenas a ideologia, não conseguindo separá-lo do nosso último século de história.

O PCP, por adesão ou oposição, faz parte das nossas vidas. Assistir em directo ao seu desaparecimento dá-me uma sensação de perda, de fim de uma era. Apesar de ter estado sempre nos antípodas do comunismo, não sinto qualquer regozijo com o modo aparentemente inexorável em que o partido se esvai.

É óbvio que a persistência teimosa na ortodoxia acabaria por matar o PCP, mas o aggiornamento também matou os seus congéneres espanhol, italiano e francês. O tempo de Cunhal, Carrillo, Berliguer e Marchais não se repetirá. O comunismo só resiste quando imposto pela força; tem evidentes dificuldades em sobreviver em democracia, mesmo quando joga segundo as regras do sistema. A evolução cultural e política ditou a obsolescência da ditadura do proletariado, relegando-a para um patamar de fé de meia dúzia de idealistas olhados com curiosidade pela maioria.

Se Jerónimo de Sousa, com o seu carisma e simpatia, ainda impunha respeito, qual senhora guardiã do solar centenário da família, em luta contra o progresso lá fora, Paulo Raimundo é só deprimente, um herdeiro sem qualidade para manter as propriedades e os estuques dos salões.   Usar um pin do PC hoje é como usar anel de brasão de armas, é uma afirmação, um testemunho de pertença a algo sem relação com o presente, que vale pelo exemplo e pela história.

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Nada dos delapidados momentos do presente deve, no entanto, apagar ou diminuir a história do PCP. E é bom que se lembre com honestidade, sob pena de perda de um valioso património histórico e social.

Sim, eu sei, não esqueço o PREC, Vasco Gonçalves, a Reforma Agrária ou os arquivos da PIDE em Moscovo; sou dos que acham que Abril só se cumpriu em Novembro e tenho esse trecho da história muito claro na estrutura do meu pensamento.

Ao mesmo tempo, é impossível ignorar que o PCP foi a única força de combate efectivo e contínuo à ditadura do Estado Novo. Mais ou menos marxistas, os opositores de Salazar só encontravam apoio estruturado no PCP. Era um exército clandestino, de alta complexidade, feito de mulheres e homens prontos a arriscar a vida por um ideal; isso merece-me sempre respeito. A ditadura e o ditador trataram os comunistas como adversários de respeito, como bravos; inimigos, mas levados a sério, longe do achincalhamento barato, típico dos fanfarrões de hoje. Estava ali um farol de resistência a sério, não haveria 25 de Abril sem o PCP.

O movimento sindical, com a pujança da CGTP-IN, é fruto dessa longa história do PCP. E, se é justo dizer que a CGTP é um braço do PCP, também é impossível ignorar o seu papel na construção e evolução da Concertação Social, na preciosa capacidade de mobilizar a “rua” sem prescindir da ordem e da lei. Vivi intensamente, enquanto político a tempo inteiro, o dificílimo período da Troika e sei muitíssimo bem distinguir as mobilizações populares do PCP / CGTP, das convocatórias dos dois extremos; é a enorme diferença propositada entre a ordem e o caos.

Os protagonistas do PCP, e o próprio partido, fizeram sempre questão de jogar segundo as normas do regime, por muito que ansiassem por outro. Deitaram-se com o PREC e acordaram com o 25 de Novembro, fazendo sempre parte das instituições democráticas. Têm um caminho que é conhecido, são extremamente previsíveis, porque fiéis aos seus valores, e honram como poucos a palavra dada. São, em suma, conservadores e confiáveis na diferença, algo que não pode deixar de suscitar simpatia num conservador tradicional.

Substituir o PCP por populismos radicais à esquerda ou à direita é um sinal destes tempos. Um sinal da troca da substância pela forma, do estável pelo frívolo, da seriedade pela tropelia irresponsável.

Não faria sentido dar o meu voto ao PCP, por completa incompatibilidade ideológica e por que não é de um voto de pena que o PCP precisa, mas apetece-me gritar: comunistas de Portugal, uni-vos!