1 O mercado mundial do petróleo tem uma tríade de produtores e actores principais: os Estados-Unidos, a Rússia e a Arábia Saudita, todos com produções acima dos dez milhões de barris diários. Têm também, como é natural, uma longa história de relações:

2 D. Roosevelt encontrou-se com Ibn Saud e daí nasceu uma longa parceria: as majors americanas tomaram conta do petróleo do Reino e os Estados Unidos passaram a proteger e defender militarmente a casa de Saud. E, no tempo da Administração Reagan, seguindo uma estratégia delineada pelo então Spymaster da América, William “Bill” Casey, os sauditas fizeram uma guerra de preços – aumentando a produção e exportação do petróleo – que deitando o valor do barril de crude abaixo (logo dando um golpe significativo nas exportações da então URSS), contribuíram para debilitar a economia soviética e precipitar a Perestroika e a política de autodestruição do Império comunista mundial de Gorbachev.

No primeiro trimestre deste ano, quando a sombra do Covid 19 começava a alongar-se sobre a Europa, também os grandes exportadores, russos e sauditas, iniciavam um novo confronto, sem guerra Fria à mistura, mas de qualquer modo, um confronto sério.

Perante a claríssima ameaça do Covid-19, a OPEC procurou um entendimento com a Rússia para um corte na produção que controlasse a quebra dos preços, em consequência da paragem da economia dos transportes – e da economia em geral que ameaçava o mundo euroamericano e também a China.

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Quem começou a guerra? Não importa muito, mas num momento em que os preços tinham todas as condições para cair, os dois maiores produtores, em vez de negociarem um acordo de redução de produção, entraram numa espécie de competição pela baixa do preço que provocou a queda meteórica do valor do petróleo. Em 8 de Março, os Sauditas anunciaram descontos de 6 a 8 dólares por barril o Brent caiu para baixo dos 25 dólares em 18 de Março e o WTI, abaixo dos 21.

Em 2 de Abril Trump interveio: com estes preços o shale-oil, que fora o milagre americano na energia, e que tinha uma estrutura de médias e pequenas-médias empresas na produção caminhava para a ruína. Trump falou alto com o príncipe Mohammad bin Salman, o homem-forte de Ryhad; falou também com Putin, mas a redução acordada de 10 milhões barris dia na produção era ainda assim curta.

E foi a inédita e extraordinária notícia de que o “preço” da WTI, para as entregas em Maio tinha caído para -37 dólares/barril, isto é na negativa, isto é o vendedor pagava ao comprador para lhe ficar com o produto. O excesso da oferta sobre a procura, o esgotamento da capacidade de armazenamento, aquela imagem patética e apocalíptica de centenas senão milhares de petroleiros, no mapa-mundi à procura de destino.

3 Que pode a Geopolítica do petróleo fazer num mundo em que a economia e a geoeconomia ficaram reféns da pandemia e em que as relações internacionais – sem solidariedades ou divisões ideológicas – vivem na geometria variável dos interesses?

Formados nos anos 60-70, em que o petróleo era rei, em que havia o domínio das míticas Seven Sisters, em que aconteceu o boicote da OPEC depois da guerra do Kippur, em que líamos no clássico de Daniel Yergin – The Prize — as explicações da importância do “ouro negro” nos negócios deste mundo, este panorama – para além da surpresa, deixa-nos a sensação de choque da mudança de paradigma.

Fui reler agora, também de Yergin, The Quest, que no final lembra a história de Sadi Carnot – filho do famoso Lazare Carnot — revolucionário, regicida, membro do Comité de Salvação Pública, e Ministro da Guerra de Napoleão.

Sadi Carnot, reflectindo sobre as causas da vitória dos Ingleses contra Napoleão não tinha dúvida em atribuí-la, acima de tudo, ao domínio da energia, especialmente da máquina a vapor. Publicou essa tese em Reflexions sur la puissance motrice du feu et sur les machines propres à déveloper. Com este livro, foi praticamente o pai da Termodinâmica. Carnot percebeu que graças aos “combustíveis” ia acontecer uma “revolução” e que, para além da força dos homens e dos animais domesticados, e do vento e das águas, surgia uma nova fonte de energia.

4 Depois do corte da OPEC, de cerca de 10 milhões de barris da sua produção, a Rússia aceitou reduzir a sua de 11 milhões barris/dia para 8,5 milhões, e nesse sentido o ministro da Energia deu instruções às empresas. Segundo a Reuters em 20 de Abril, se aos cortes da OPEC e da Rússia, que somam cerca de 10 milhões de barris diários, juntarmos as reduções esperadas dos Estados-Unidos, da Noruega e de outros países que estão fora do acordo, pode chegar-se a um corte na produção de 20 milhões de barris, o que corresponde a mais ou menos 20% do consumo mundial antes da crise do Covid-19.

Estas medidas parecem estar a ter resultado, na medida em que os preços quer do Brent quer do WTI têm tido uma subida gradual que os fixou esta quinta-feira, 21 de Maio, respectivamente nos 33 e 36 dólares o barril. É certo que tudo depende da extensão temporal das medidas de confinamento e muito particularmente da retoma dos transportes marítimos e aéreos. A US Energy Information Administration prevê uma recuperação em força dos preços para o último trimestre de 2020. Mas o que se esperava só para essa, o atingir da casa dos 30, 35 dólares já foi, entretanto, cumprido.

5 Em relação ao Covid-19, a África em geral e a África Tropical e Subtropical, têm sido extraordinariamente poupadas, em termos de incidência epidémica: o calor, a juventude média da população, a imunidade adquirida pela continuidade de surtos epidémicos vários, uma maior marginalidade em relação às grandes rotas de transporte, cada um e todos estes factores podem explicar este relativo privilégio. Mas o mesmo, como também temos sublinhado não acontece com a economia, e os grandes produtores subsaarianos – nomeadamente a Nigéria e Angola – têm pela frente dias difíceis.

Dentro dos cortes decididos pela OPEC, Angola irá baixar a produção para 1.270.000 barris/dia em Maio e um pouco mais em Junho. A Nigéria fará o mesmo na devida proporção. O corte da Nigéria será o equivalente a 22% da produção anterior à crise, para 1.400.000 barris/dia em Maio e Junho aumentando depois gradualmente, à medida em que a economia mundial for também retomando a actividade.

6 Mas a situação do mercado petrolífero angolano, não deixando de ser difícil, está longe do quadro apocalíptico que alguns imaginam. As negociações entre o governo de Luanda e a Sonangol com os operadores estrangeiros, começadas há cerca de dois anos, e alguns acordos concluídos quase em cima da crise, parecem tê-la adivinhado, e tudo vai no sentido de que, graças às condições fixadas, não acontecerá um “rush” dos investidores.

Como explicou à Lusa o advogado e grande conhecedor do mercado angolano, Agostinho Pereira de Miranda, o sector petrolífero angolano está mais bem preparado, graças a estas anteriores negociações com os investidores da indústria petrolífera, para uma recuperação do que a maior parte dos outros países africanos  produtores.

De como e porquê, falaremos mais adiante.