Um dos trabalhos que o autor destas crónicas fez para uma fundação política associada ao Parlamento Europeu foca-se na necessidade de soluções sustentáveis, com uma secção sobre a transição verde e digital, financiada nos Estados Membros pelos Planos de Recuperação e Resiliência, resultado do fundo NextGenerationEU. Por causa da forma como este fundo foi instituído, no início do texto pode ler-se que “A União Europeia tem lidado com uma série de crises impactantes, incluindo a de dívidas soberanas em 2008, a de imigração em 2015, a pandemia COVID-19 em 2020, e o regresso da guerra ao continente em 2022”. Aquando da revisão do texto, o editor enviou-me um mail onde perguntava, na brincadeira, se “me tinha esquecido de alguma crise”.
A verdade é que a Europa, e a União Europeia (UE), vivem agora num estado de crises-múltiplas, sendo que umas são mais ativas e disruptivas que outras. Umas refletem problemas estruturais, outras são de natureza mais pontual, e algumas podem, a qualquer momento, serem transformativas. Sustentabilidade, ambiente, migrações, segurança, futuro do trabalho e dos sistemas de apoio social, inimigos (internos e externos) do projeto europeu, são alguns dos fatores de perturbação que nos tiram o sono. Além disso há o crescimento de populismos e nativismos, a produção de desinformação e polarização, e a necessidade de proteger e reforçar as democracias liberais incluindo todos na construção e futuro da União.
Sendo assim, é importante termos uma Comissão Europeia (CE) com planos capazes de responder às crises-múltiplas, com uma visão que se quer concretizável, definição de prioridades estratégicas e criação de um funcionamento eficiente. Para isso, por muito que os eurocéticos e isolacionistas não gostem da ideia, a CE precisa de desempenhar, bem, o papel executivo, agindo com resolução e vigor dentro do quadro legal e normativo plasmado nos Tratados da UE e do Funcionamento da UE.
Esta não é uma necessidade que se relaciona só com velocidade, mas também com implementação. Velocidade porque, respostas a algumas das crises exigem rapidez. O ataque bárbaro da Rússia à Ucrânia e a necessidade de garantir a independência energética da União Europeia, é um bom exemplo, com a criação do plano REPowerEU. Outro, igualmente transformativo, foi a entreajuda, conduzida pela EC, entre Estados Membros durante a pandemia. No entanto, a implementação é também um aspeto crucial quando se pensa na UE. Pacotes legislativos, sejam planos, acordos ou atos, uma vez autorizados, têm de ser postos em prática, para melhorar a vida dos europeus, seja na proteção do ambiente, na indústria e no trabalho, na energia, nas tecnologias, na economia circular, na formação de recursos humanos, na investigação e desenvolvimento.
Outra alteração necessária respeita à forma como a CE se relaciona com as outras duas instituições políticas na União: o Parlamento Europeu (PE) e o Conselho Europeu. O facto de o PE já ter colocado a EC em tribunal em 2024, e ameaçado o fazer em 2021, devido à aplicação de regulamentos associados ao mecanismo de condicionalidade do Estado de Direito, não é o melhor indicador de funcionamento institucional. Apesar destes momentos de tensão, a relação entre o PE e a CE, sendo bastante formatada, tem sido normalmente construtiva. No entanto, necessita do cumprimento por parte da Comissão das decisões legislativas do Parlamento. Igualmente, é necessária, para este ciclo, uma maior proximidade da CE com o Conselho Europeu (ConE), principalmente na construção de uma direção estratégica comum. Para tal, a CE e o ConE precisam de limar, da forma competente e construtiva, as diferenças entre as ações dos dois órgãos, e a aproximação ao que são às legitimas aspirações (e contextos) dos Estados Membros. Neste caso, conta-se com a experiência do novo presidente do ConE, com provas dadas na arte da negociação, e com trabalho feito na construção do projeto europeu.
Finalmente uma última sugestão, que é a maior participação do cidadão no desenvolvimento da UE. O vosso autor teve o privilégio de ser convidado para representar Portugal nas Mesas Redondas do Renew Europe, no âmbito da Conferência sobre o Futuro da Europa (CoFoE). Há algo de excecional em ter cidadãos dos Estados Membros, sentados na mesma sala a discutirem o caminho a percorrer, chegarem a consensos ou posições, e depois, numa sessão plenária em hemiciclo, apresentar esses conteúdos ao resto dos participantes. Iniciativas como a CoFoE devem ser realizadas de uma forma recorrente, e com a classe política e legislativa envolvida. A deliberação de cidadãos deve ser incluída na construção de projetos que sejam transformadores. Esta dinâmica, seguindo o princípio da subsidiariedade, deve ser construída do local para o regional, e do nacional para o intergovernamental.
Para tal, a CoFoE deve ser repetida para se perguntar à comunidade sobre as grandes medidas estratégicas a serem incorporadas na visão e plano mencionados acima. Igualmente podem ser formados grupos mais limitados onde se avaliam reformas e procedimentos. Aliás, uma das mais importantes conclusões da CoFoE foi a de manter os cidadãos da União informados da aplicação das recomendações que resultaram da Conferência. Painéis de cidadãos podem ser constituídos para compreender como o funcionamento da EU é recebido nos Estados Membros, por exemplo, quando se pensa no processo democrático entre os diferentes órgãos mencionados nesta crónica. Estas são algumas ideias para aumentar a participação do cidadão no dia a dia da União.
Neste espaço, para quem o lê regularmente, é imediata a constatação que o autor é um euro-entusiasta. Porém, o projeto europeu não está acabado, nem perfeito. Aliás, o edifício Louise Weiss em Estrasburgo, que alberga o Parlamento Europeu, reflete isso mesmo, com a aparência (assim pensada) que o topo está em construção. Há muito para fazer, mas tal é conseguido se os participantes estiverem de boa-fé. Esperemos que os próximos 5 anos sejam um exemplo de trabalho em cooperação entre instituições democráticas, para elevar o espírito europeísta e fortificar o projeto da construção de uma União Europeia.