Quando Rúben Amorim chegou ao Sporting, naquela já longínqua primavera de 2020, a aposta num treinador com uma dezena de jogos na primeira divisão por dez milhões de euros parecia tão descabida como a ideia que uma pandemia mundial iria obrigar-nos a ficar confinados em casa.
Mas o descabido virou realidade, a realidade virou um sonho, e esse sonho tão real ficou tingido indelevelmente na história do Sporting com títulos, e mais do que títulos, com campeonatos. No plural. Rúben Amorim foi o artífice principal de um novo Sporting, de um Sporting saído das trevas, da instabilidade, das guerras e guerrilhas internas para um novo modelo de referência no futebol português: novo na aposta no mercado, adquirindo verdadeiros génios da bola para usarem a listada verde e branca, atacando cirurgicamente; e com os novos marinheiros nórdicos guiados pelo treinador português, formou-se uma máquina bem oleada do terreno de jogo às conferências de imprensa, revolucionadas em verdadeiras masterclasses de comunicação.
E podia continuar este texto a dizer tudo o que Rúben Amorim foi de diferente para o Sporting. Seria certamente um texto neste sentido que faria sentido caso o treinador português saísse no final do ano, após cumprir na plenitude a resposta à pergunta “E se corre bem?”.
Talvez os sinais lá estivessem, ignorados por todos a cada remate certeiro de Gyokeres, como se as bolas na baliza anestesiassem o indício que o desejo esteve sempre lá, e que já se tinha mostrado quando em plena reta final do campeonato viajou para Londres. Ignorámos, desvalorizámos, segurámos o Rúben como o clube o segurara quando terminou em quarto lugar, porque valorizávamos mais tudo o que já tínhamos, e que, pensando bem, não merecia deitar fora por um lapso de julgamento ou de fidelidade. Porque ia correr bem, tinha forçosamente de continuar a correr bem.
Mas não. Correu mal. Muito mal. Como expoente máximo desta “morte” figurada, o futuro ex-treinador do Sporting apareceu nervoso, irritadiço, medroso naquele que outrora fora sempre o seu terreno, “a sua praia”: as conferências de imprensa. Tudo ao contrário, o novo mundo verde e branco construído pelo Rúben de pantanas: a estabilidade trocada pela instabilidade, o compromisso e o profissionalismo trocados pelo oportunismo, a história épica tão real trocada por nova quimera. Foi assim na conferência de imprensa. É assim nesta troca de leão para diabo, é assim o caminho escolhido para a sua vida. Amorim trocou. Trocou tudo o que sempre defendeu ao encerrar a história desta maneira, ao ser o capitão que afinal, é o primeiro a abandonar o barco. Trocou um final feliz por isto. Qual homem (com “H” minúsculo) que sabe, dentro de si, que acabou de cometer uma desonestidade e uma injustiça, Rúben Amorim desejava muito que a sua saída fosse “perdoada”, que esta traição final fosse esquecida e saísse como o herói (que sempre foi) para os adeptos do Sporting. Tal aconteceria caso a “morte” fosse anunciada, esperada, previsível, no final do ano. Assim, não.
Foi tragicamente poético (como tantas vezes é o futebol), ver Rúben Amorim desfazer em dois dias o que levou quatro anos a construir, culminando na derrota final nas “suas” conferências de imprensa. O treinador adorado, o vencedor, o mestre comunicacional, qual vilão escondido e dissimulado desta história, a ser agora o treinador nervoso, de saída, a deixar os seus jogadores e os seus adeptos quando jurou que este ano não o faria, sabendo que tudo poderia ter sido diferente, caso contasse ainda para alguma coisa a palavra e a honra daquele que achávamos que se tinha tornado mais um de nós. Saindo no final do ano, Amorim seria para sempre o nosso Rúben, ao lado de todos os nomes maiores deste gigante clube.
Não estava destinado, e o triste final resume bem a história desta morte emocional completamente não anunciada. Afinal, não era diferente. O amor no futebol de hoje em dia já não existe, mas o compromisso e a palavra achávamos ainda que sim. Não o foi. Foi completamente (não) anunciado. As grandes paixões são assim muitas vezes, as grandes histórias estão cheias de finais ambíguos, mas o final feliz estava garantido e desapareceu por culpa de uma só pessoa, a única que jurávamos que jamais estragaria a história mais bonita do futebol português contemporâneo. E ela sabe-o. Amorim sabe-o. Terá agora, tal como nós, de saber viver com esta “morte” não anunciada, aprendendo a desligar a voz interior que (quero acreditar) o consome.
No final, o que fica? Um adeus, não um até já, e o clube, esse sim, aquele que nunca terá morte. Nem anunciada nem muito menos não anunciada. O Sporting, esse sim, é eterno, e imutável perante estes desaires. Porque o Sporting somos todos nós.