No limiar de modernidade biológica, Michel Foucault utilizou o conceito de “Biopolítica”, na gestão da biologia nos cálculos e nos mecanismos de controlo da população pelo Estado, como uma nova forma de “poder devolver à morte ou causar a vida”, valorizando primordialmente a existência do homem como força de trabalho, isto é, produção de valor económico. Neste contexto, uma vida só é útil enquanto for sã e dócil, ou seja, medicalizada e disciplinarizada, quando o seu valor for a utilidade na produtividade.
Será certamente uma forma de racismo, na medida em que legitima a morte do “outro”, do doente, do degenerado, do anormal, do que já não serve, para que a sociedade fique mais limpa, mais saudável, a vida em geral mais sadia e mais pura. Assim, o Estado assume e legitima a sua função assassina através do biopoder, com pretenso recurso a legislação adequada que o converte em tanatopolítico sobre as multidões confusas, seres humanos que lentamente foram sendo adestrados por políticas de saúde, de alimentação, de educação sexual, de controlo de natalidade, de sucessivos atropelos à família, ao casamento, aos valores e à dignidade do ser humano.
Vejamos, por exemplo, a insistência na legalização da eutanásia, a imposição da agenda ideológica na educação e na cultura, com recursos aos orgãos de informação e à televisão estatal, numa militância constante de fragmentação dos valores educativos, nomeadamente, na transmissão de filmes e de vídeos, supostamente pedagógicos, mas essencialmente manipuladores e colonizadores de ideias e conceitos distorcidos da sexualidade humana, da família e da sociedade.
Exaltar os animais e empobrecer os seres humanos reduzindo-os a simplesmente “humanos”, acenando ao mesmo tempo com o homem robôt ou transhumano, é verdadeiramente uma engenharia genética de cariz malévolo, maquiavélico e perverso.
O conceito de Biopolítica surgiu com Michel Foucault nos finais da década de setenta do século XX, em consequência da busca do desenvolvimento do poder como forma de conduzir a vida, de regular as populações devidamente disciplinadas, cuidando da sua saúde, higiene, reprodução, trabalho e produção, segundo os interesses do poder político.
Nesta perspectiva foucaultiana, a Biopolítica é o conjunto de mecanismos e procedimentos tecnológicos (saber + poder) que tem como intuito manter e ampliar uma relação de dominação da população em todas as vertentes: políticas, económicas, sociais, familiares, conduzindo o homem a uma subjectividade redutora, punitiva e mais vulnerável, na medida em que lhe é retirada a dimensão superior de “Ser Pessoa”, condição de dignidade humana que lhe permitia a transcendência, transformando-o assim em algo mais plano ou simplesmente imanente.
Este ser remodelado pelos planos estatais e ideológicos, constitui o terreno fértil para que uma nova maneira de governar se possa implementar, recorrendo ao neologismo “governamentalidade” ou mentalidade governamental, quer dizer, como o governo pensa e como quer fazer pensar para homogeneizar a conduta dos indivíduos e sobre eles reinar sem dificuldades.
Em paralelo, mas ainda a desabrochar, o século XXI veio revelar uma nova interpretação da Biopolítica, resultado duma reflexão profunda da sua importância ao serviço da protecção da vida em plenitude, de toda a vida humana em todos os seres humanos, independentemente das suas condições físicas, psíquicas, sociais ou morais.
Esta nova versão da Biopolítica já não depende das políticas, mas está ao serviço dos valores de bem, justiça, dignidade, da vida dos mais frágeis ou fragilizados, como um antídoto a toda a desconstrução filosófica de Foucault, a toda a campanha ideológica desenvolvida nas sociedades ocidentais, a qual desfigurou o rosto da humanidade, coisificando-a, descartando-se dos seus deveres, aplicando a lei do mais forte e impondo a sua ditadura de morte assistida, a pedido, a despropósito, invertendo ainda o papel da medicina, que não é e nunca foi o de matar ou tirar a vida, mas fazê-la brotar, nascer, apoiando a vida do princípio dos princípios até ao seu fim natural.
Recordemos que o valor do Homem não lhe é dado pelos outros homens, não é uma mera questão de quantidade ou qualidade e não pode, nem deve, ficar pendente de opiniões relativistas, subjectivas ou partidárias.
O ser humano é um valor em si próprio, é-lhe inerente, devido ao facto único de ser membro da família humana e ter uma natureza racional. A dignidade está contida no conjunto de valores que caracterizam a humanidade e nos impede de usar o outro homem como uma coisa, objecto ou instrumento para atingir os nossos objectivos.
Ao tomarmos consciência desta realidade, cumpre-nos defender na íntegra, sem o recurso a falsos conceitos ou argumentos tergiversados, que a dignidade nos pertence por excelência, devendo-a exigir, implementar e praticar, evitando que a sua ausência tenha repercussões nocivas em toda a sociedade.
A precaridade da nossa existência, com todas as vicissitudes inerentes e a fragilidade da saúde face às ameaças internas e externas, que colocam em perigo a dignidade do ser humano, implicam uma maior protecção e amparo na cadência do fluir da nossa existência.