A banca portuguesa tem muitos problemas. Os bancos estão descapitalizados, são mal regulados e supervisionados, têm ainda muita “tralha” de crédito malparado nos balanços, precisam de reequilibrar as fontes de receitas num período em que a margem financeira – a diferença entre os juros que cobram pelos empréstimos e os que pagam pelos depósitos – está esmagada e, nalguns casos, precisam de clarificar a estrutura acionistas para que se saiba claramente quem lá manda. Mas dificilmente se pode considerar que a nacionalidade do capital que domina as principais instituições é um desses problemas.

Há quem não pense assim e fale do risco de “espanholização” do setor, ao ponto de se preparar um manifesto sobre o tema, a enésima reedição do clamor a favor dos “centros de decisão nacionais”. Este é um “peditório” para o qual o país já deu desgraçadamente nas últimas décadas e sobre o qual Luís Aguiar-Conraria já aqui escreveu notavelmente.

Pelo meio, soube-se que o primeiro-ministro estendeu o tapete vermelho a Isabel dos Santos, ao que se sabe para que a empresária angolana reforce a sua posição no BCP, deixando o BPI para os catalães do La Caixa. O facto de se tratar de dois bancos privados, cabendo aos seus acionistas os entendimentos e desentendimentos que acharem por bem, dentro das leis do país e das regras impostas pelo Banco de Portugal, parece não preocupar ninguém.

A começar por Marcelo Rebelo de Sousa, que já concordou publicamente com esta intervenção governamental no “desenho” do setor. Qual o sentido dessa intervenção, os seus objetivos principais e os instrumentos que as autoridades estão dispostas a utilizar nessa patriótica missão são detalhes que ninguém parece disposto a esclarecer. Obviamente. Estas intervenções “diplomáticas” são geralmente obscuras, reservadas, sem direito a papéis, comunicados ou atas que deixem rasto histórico. O que se entende, porque os seus objetivos nem sempre são dignos e a responsabilização futura pelos desastres que possam ocorrer fica assim confortavelmente inviabilizada.

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Acenar com o perigo do “papão” estrangeiro, sobretudo espanhol, é uma rábula clássica nas encenações sobre a banca portuguesa. Inclusivamente, já tivemos ministros das Finanças que se dispuseram a rasgar as camisas em nome de tão heroicas batalhas. A minha memória estava mais fresca sobre a cruzada de Sousa Franco contra a compra do grupo Totta (que incluía também o Pinto & Sottomayor e o Crédito Predial Português) pelos espanhóis do Santander mas no “Expresso” desta semana Eduardo Catroga recorda, com orgulho, que foi ele que iniciou esta batalha de travar o domínio espanhol no Totta. Com o resultado que hoje se conhece: o Totta e o CPP são hoje Santander e são um dos grupos mais sólidos que atua no país; e o Sottomayor foi entregue ao BCP que depois passou a ter nos espanhóis do Sabadel o maior acionista e hoje é liderado pelo estado angolano através da Sonangol. Sobre a eficácia destas defesas dos “centros de decisão nacionais” estamos conversados, não?

Já houve, de facto, um tempo em que a generalidade do setor financeiro era dominado por capitais portugueses. Tirando a era da estatização – ninguém, além do PCP e do Bloco de Esquerda defende que se nacionalize a banca, pois não? – após as privatizações os principais bancos eram dominados por empresários e industriais portugueses: Amorim, Belmiro, Champalimaud, Mello, Espírito Santo, Roquette, Vaz Guedes, Violas, família Gonçalves eram nomes que encontrávamos nas listas de maiores acionistas do BPA, BCP, Banco Mello, BPI, Espírito Santo, Sottomayor ou Totta que, juntos com a Caixa, dominavam mais de 90% do mercado.

O que se passou é que estes investidores ou se endividaram demasiado para comprar esses bancos e depois tiveram que os vender ou preferiram apostar em setores mais rentáveis ou mais protegidos como a grande distribuição, o imobiliário ou as concessões dadas pelo Estado. Foram saindo da banca da mesma forma que deixaram a indústria, a siderurgia, os cimentos ou os estaleiros navais.

Não parece difícil de entender que quando se fala de “capital nacional” a palavra “capital” não está lá para embelezar a expressão ou fazer uma rima fácil. É que ele, o capital, é mesmo necessário para se comprar, investir e desenvolver. É preciso ter dinheiro e, de preferência, sem o recurso exagerado a crédito. Porque, voltamos a La Palisse, o crédito não é capital nosso, mas de outros. E nas duas últimas décadas esses outros são estrangeiros, que nos emprestam através da banca. Mais do que fazer discursos bonitos sobre a vantagem do domínio de setores estratégicos por “capital nacional”, o importante é que nos digam como se faz isso num país que não tem… capital. Se é para fazer com dívida externa, com esquemas à margem da lei para favorecimento de acionistas ou com projetos empresariais insustentáveis alimentados com depósitos dos clientes bancários, obrigado, mas não queremos. Disto já tivemos a nossa dose.

Muito mais do que a “espanholização” da banca temos que temer é a sua “portugalização”, que nos deu um BPN, um BPP, um BES e um Banif. E, noutro plano, uma Caixa que durante anos serviu interesses privados e políticos.

Bancos? Que sejam sólidos, bem geridos, transparentes, disponíveis para financiar projetos viáveis e emprestar para além do imobiliário. Se o capital estrangeiro o faz melhor do que o português, então ele que venha. O resto é jogar Monopólio com dinheiro dos contribuintes.