Cada um luta pelo modelo de sociedade que lhe parece melhor.

Por vezes, esse modelo é sustentado por uma ideologia. E quem se deixa seduzir luta por ele até mais não poder…ou até perceber que se enganou, que talvez se tenha precipitado, que não soube aprofundar o suficiente, ir à raiz das coisas, projectar no tempo as consequências desse seu entusiasmo.

Tanto uns como outros chegam a dar a vida pelo seu ideal. Porque a gastam, pouco a pouco, de empenho em empenho, de «loucura» em «loucura». Não se poupam. Não regateiam esforços. Sabem que as guerras se ganham com soldados cansados. E esta atitude é de louvar, tanto mais quanto maior for o bem que os faz correr, o fim que pretendem alcançar.

Repete-se. Tanto uns como outros chegam a dar a vida pelo seu ideal. Por vezes até a entregá-la num momento. Porque a vida não é um bem que deva guardar-se num estojo, preservada de excessos, de heroísmos, de golpes de alma; definhada, afinal, por não ter acreditado no que é a Liberdade, o Compromisso, o Amor. A vida é para a viver. E viver desgasta, reclama gestos grandes, abrir caminho por entre bosques de espinhos, por sobre águas profundas. «Todo pasa y todo queda/ Pero lo nuestro es pasar/ Pasar haciendo caminos/ Caminos sobre la mar» (Antonio Machado, Caminante no hay camino. Se hace camino al andar). E pode chegar um dia em que prosseguir o caminho exija dar a vida de um só salto. Porque o bem do próximo o impõe; porque assim se salva da morte outra pessoa; porque não se quer trair a razão de ser de uma vida, porque não é possível trair o Amor; porque a salvaguarda da consciência a isso obriga; porque está em causa a continuidade de um povo, a sua libertação.

Volte-se à primeira frase. Cada um luta pelo modelo de sociedade que lhe parece melhor. E pode chegar a dar a vida por esse ideal. Mas para isso não é preciso lei. Cada um entrega a sua vida à causa (lícita) que muito bem lhe aprouver. Não é para isso que se reúne esta semana o parlamento português.

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Reúne-se, a pedido de um número considerável de cidadãos, para decidir se a complexa questão da eutanásia deve passar por uma consulta directa ao povo ou ser resolvida por um grupo de representantes desse mesmo povo. Mas não se disse que cada um luta pelo modelo de sociedade que lhe parecer melhor? E que pode até dar a vida por esse ideal? Sim. Disse-se e confirma-se.

O que lança as maiores dúvidas sobre o bem fundado deste modelo de sociedade (que passa pela aprovação da eutanásia) é que já não está em causa dar a própria vida. Nesta concreta proposta vai implicada a ideia (e a prática da mesma) de tirar a vida a outra pessoa. A seu pedido. Em contadíssimos casos de sofrimento insuportável e terminal. Tirada por um médico e com a aquiescência de outro médico. Em condições ideais de assépsia e sem dor. Mas, tirar a vida. Tirar a vida para pôr fim a um problema vital.

O Parlamento reúne esta semana para decidir se permite ou não a cada português arcar com a responsabilidade de escolher que modelo de sociedade lhe parece melhor. Para viver. Porque o sentido da morte não difere do sentido da vida.