Vivemos numa aparente contradição: apesar da melhoria das condições de vida em Portugal e da redução lenta da taxa de risco de pobreza após transferências sociais, da subida da esperança de vida que resume em si a qualidade do sistema de saúde e da alimentação, existe insatisfação e a ideia de que estamos a viver muito aquém das nossas expetativas. Do lado dos governantes parece manter-se a ideia de que o caminho está na distribuição de recursos aos setores mais reivindicativos que aparentemente têm sempre razão. Do lado dos governados parece que não se compreende que existe a necessidade absoluta de se aumentar a riqueza do país como condição necessária para se assegurar uma vida melhor para todos. Que não basta redistribuir melhor.
Existem algumas ideias feitas que nunca compreendi como podiam ser repetidas por gente inteligente.
Uma ideia muito repetida cujo senso me escapa é a de que “temos que apostar numa economia de melhores salários”. Se tal fosse feito aumentava a qualidade de vida dos portugueses porque os seus rendimentos seriam mais confortáveis. Existe a convicção demasiado espalhada que a economia de baixos salários foi decidida pelos governos. Que é a causa dos nossos problemas e que bastaria juntar empresários e governantes à volta de uma mesa, obrigá-los a escolher melhor, e nós cá estaríamos para beneficiar de um país mais rico. Na verdade, a economia de baixos salários não é uma causa, é uma consequência. De uma sociedade onde voltou a prevalecer a ideia de que as empresas e os negócios são intrinsecamente maus. Da pequena dimensão e pouca competitividade de muitas das empresas e das dificuldades que estas têm em crescer. Da regulação excessiva que pode ter vantagens, mas penaliza a atividade económica, e da inexistência de um mercado de capitais dinâmico, o que leva as mais promissoras a escolher outros horizontes.
Na mesma linha argumenta-se que uma economia de melhores salários não necessita de uma grande força de trabalho e, portanto, não são precisos tantos imigrantes. Surgem as vozes de que implica o encerramento da pesca e da agricultura, e uma redução drástica no turismo. Para muitos não é verdadeiramente um problema porque não consideram a independência alimentar como uma prioridade, e se incomodam com os turistas que enchem as ruas e os restaurantes. Mas ter como ponto de partida a tal economia de altos salários, e pensar a partir daí como se fosse realidade, lembra o “pote de azeite” de Mofina Mendes que escrito há quase quinhentos anos mantém ainda hoje toda a atualidade.
Outro mito que me parece bizarro é a de se dizer que “não se pode aumentar apenas o salário mínimo, mas que se deve também aumentar o salário médio”. Como se o valor médio, uma estatística implacável que mede de certa forma a saúde económica do país, pudesse ser fixado administrativamente da mesma forma que o salário mínimo. Claro que os salários da administração pública podem ser decididos pelo governo. E dada a importância da administração pública na população ativa tal iria influenciar um pouco o salário médio, mas, dado o peso dos salários no conjunto das despesas do Estado isso só poderá ser feito com mais impostos, porque professores, médicos, forças de segurança, ou outros grupos profissionais, disputam os mesmos recursos.
Mais à esquerda, nos setores onde o contacto com a realidade é mais difuso, existe a convicção de que “a solução está em viver com menos”. O que é necessário não é aumentar o rendimento nacional, mas sim reduzir o consumo individual, e voltar a uma espécie de sociedade primordial, onde os valores do rendimento total ou “por habitante” deixam de ter sentido, e a felicidade se pode conseguir com muito pouco. Muita da despesa das classes de maiores rendimentos é seguramente inútil, e a frugalidade far-lhes-ia bem, mas convém não esquecer que as despesas das famílias de menores rendimentos, que são a grande maioria, se concentram na habitação, na alimentação e na saúde, e que uma parte muito importante da riqueza nacional, que é gerida pelo Estado, é consumida na educação, na saúde e na proteção da velhice e que cortes com significado teriam de os afetar muito. De certeza que os cidadãos com recursos reduzidos acreditam pouco nesta estratégia apesar de a praticarem bem mais do que desejariam.
De forma crescente parece que a ambição, pessoal e coletiva, se está a desvanecer. Concentramo-nos em “gastar bem” os fundos comunitários, bolinar nas ondas do marasmo económico em que vive a Europa, vivendo o dia-a-dia na expetativa de um futuro que se quer generoso e seguro. As guerras às portas do continente, a situação económica na França e na Alemanha, são um alerta, que é necessário ouvir.
Os investimentos comunitários têm contribuído para aproximar o país da média europeia e para promover a coesão nacional, mas a sua continuidade pode ser bem mais efémera do que se pensa. A coesão é muito importante e é necessário ter atenção às regiões de baixa densidade, como agora se diz eufemisticamente. Mas está a faltar a clareza de pensarmos que, para além de um “ministério da coesão” precisamos ainda mais de um “ministério da competitividade”, que promova os melhores, as empresas com mais capacidade de se desenvolver e criar empregos mais qualificados, que atraia bons projetos de qualquer parte do mundo, que beneficie quem crie riqueza no país.
Precisamos de mais ambição, de mais esforço e de muita sorte. A insatisfação para nada serve, e as expetativas só têm importância quando temperadas pela capacidade que tivermos de ir mais além. É preciso aumentar a riqueza coletiva e para isso é necessário dar asas à economia.