Delenda Cartago, há soluções realistas para a falta de habitação. As propostas do governo para a habitação não merecem, do meu ponto de vista, grandes comentários, quer pela sua impraticabilidade quer por não resolverem problema algum. Tiveram como único propósito ganhar pontos em quem acredite que há culpados, e que naturalmente estes não estão nos governos. Não incluir as autarquias em qualquer solução garante que nada será realmente feito.
Vou mais por soluções pequenas, medíveis e exequíveis. A primeira questão é saber, de facto, quantas famílias necessitam realmente de habitação. A segunda questão é conseguir estratificar essas famílias por dimensão e capacidade financeira. Advogo, como tecto para as rendas, 20% do rendimento da família, a lei dá um intervalo entre 15% e 35%, mas um valor superior, como tenho dito, não permitirá uma vida digna aos rendeiros. Pensemos para já em Lisboa (se resolvermos o problema de Lisboa a situação descomprime-se a jusante).
Entendo que “resolver” a falta de habitação só é possível atacando as diferentes variáveis, que são muitas. A disponibilidade de solos, a falta de capacidade construtiva (a aflitiva falta de mão-de-obra especializada e de materiais, com repercussão no sector da construção e na sua congénere, que são as obras públicas), o encarecimento do custo de construção, quer pelas razões aduzidas atrás, quer por imposições regulatórias, e a impossibilidade para a venda aos “compradores tradicionais” (a jovem classe média) por esta já não querer adquirir, mas arrendar, quer pelos valores da compra, quer pela mobilidade a que estão obrigados. Acresce que o tempo que leva a colocar um prédio no mercado seja desmotivador para qualquer investidor.
O “problema”, não tendo uma só origem, também não tem uma só solução, mas várias, ou melhor, implica actuar em várias frentes. A primeira e mais importante é ao nível da segurança dos investidores. Se é necessário investimento, não se pode afugentar os investidores, há que lhes garantir um futuro tranquilo (o contrário das últimas notícias). Para os estimular, uma abolição temporária do IMT para quem construa (ou adquira) para arrendar, como acontece para quem compra para revenda. Também uma redução do IMI para o mesmo efeito e como previsto pela autarquia.
A segunda proposta é a oferta de solo. Defendo que o Estado pode (deve?) oferecer o solo em direito de superfície para habitação (até que se consiga uma acalmia do mercado). A hipótese de compra do direito pode ficar em aberto. Para este efeito lembro que, só dentro de Lisboa existem vários hectares que podem ser reafectados, como seja Academia Militar, em pleno centro (4 hectares, com um índice de ocupação de 0,7 e 4 pisos permite mais de 700 fogos), o Presídio, com 3,8 hectares, permitiria mais de 600. Ainda no Estado, o Colégio Militar – 30 hectares – e os Pupilos do Exército – 22 hectares. Pensando apenas em quatro locais, percebe-se que solo não faltará para construir. As estruturas militares (de internato) poderão ser realocadas no interior, que traz sinergias positivas em vários âmbitos.
Outra questão é exactamente como construir. Há que mudar o chip e assumirmos a falta de mão-de-obra. Há que industrializar o processo. Uma fábrica de pré-fabricação consegue construir um prédio de 1000m2 e quatro pisos em cinco meses, menos de metade do tempo normal e um quarto do que hoje se cumpre. Também as soluções de construção em “túnel”, como foram executadas as Olaias, conseguem soluções muito mais rápidas. Também o nível de acabamentos, que deverá ter custos moderados para manter o custo final viável.
Sobre os projectos, defendo soluções de baixa densidade, até quatro pisos, com dois fogos por piso, para obviar problemas de conflitualidade ingeríveis em prédios de grande densidade. Impõe-se também que os projectos sejam pensados como funcionais, mas com baixa manutenção, e rever, com bom senso, os projectos que impõem na “térmica” custos e tempos desproporcionais.
Finalmente, o quem! A função do Estado é a de disciplinar o mercado, podendo intervir directamente, construindo, delegando, ou fazendo parcerias. Se considerarmos o direito de superfície num horizonte temporal de 50 anos, o investidor quer 2% ao ano só para a amortização do capital. Se os capitais forem remunerados a 4%, deverá ser garantido ao investidor (público ou privado) pelo menos 6%. Nesta aritmética seria possível arrendar um T1 por, no máximo 420€, um T2 por 560€ e um T3 por 720€. Também é bom que se perceba que não estamos a falar de “bairros sociais” de má memória, mas “interclassistas”, para garantir relações saudáveis entre os seus moradores.
Para concluir, história: a Alemanha em 1945 tinha 1/3 das suas casas destruídas. O mesmo se passou em Londres: durante a II guerra 1/3 das suas habitações foram destruídas, cerca de 1,5 milhões de lares. Foi bastante mais difícil, mas resolveram. O homem sonha…