Se existe tema que tem marcado a agenda política nacional, tem sido o processo de descentralização de competências, nas quais se incluem as da saúde. Entre as competências a descentralizar nesta área está a responsabilidade pela gestão operacional e financeira dos centros de saúde na sua área geográfica, designadamente a manutenção, conservação e gestão dos equipamentos (exceto equipamentos médicos), a participação no planeamento, gestão e investimento em novas unidades de cuidados de saúde primários, incluindo construção, equipamento e manutenção, e a gestão dos trabalhadores da carreira de assistente operacional dos agrupamentos de centros de saúde (ACeS). Apesar de considerar transferidas estas competências a partir de 1 de Abril, elas de facto só entram em vigor quando cada uma das câmaras envolvidas assinar com a administração central um auto que especifique o que é transferido e as contrapartidas. Ora, aqui temos o problema que teima em não ser resolvido no que se refere ao envelope financeiro que os autarcas reclamam, e com razão, tendo este desacordo causado consequências em instituições tão relevantes como a Associação Nacional de Municípios Portugueses, que viu o município do Porto aprovar a saída daquela instituição. Mas o Porto não é caso isolado, tendo já muitos autarcas manifestado profundo desconforto e ameaçando, inclusive, adotar a mesma decisão de saída daquela instituição. A possibilidade de um interlocutor como a ANMP vir a perder mais municípios criaria ainda mais problemas a um processo já de si difícil. Por um lado, demonstraria a dificuldade do Governo na implementação de reformas verdadeiramente estruturantes para o nosso futuro e, por outro lado, com uma maioria absoluta no parlamento, remeter-nos-ia para uma aura de desconfiança sobre eventuais abusos decorrentes do exercício desse poder que lhe foi conferido pelos eleitores.

Existem municípios que já aceitaram essa mesma delegação de competências, sendo Portel o primeiro dos 40 municípios que já assinaram o referido documento entre os 201, no território continental, abrangidos pelo processo de descentralização de competências na área da saúde. A Ministra da tutela prevê que mais 60 municípios possam também assinar os seus autos até ao final de Junho.

Mas o caso da Educação é paradigmático dos enormes desafios que provêm deste processo de descentralização e é um exemplo que tem sido referido para retardar as restantes competências. Os municípios conferem a proximidade na resolução dos problemas, mas não podem deixar de, com as responsabilidades que lhe forem conferidas, ter uma palavra a dizer no regular funcionamento dos estabelecimentos.

Ora com este acréscimo de responsabilidades o envelope financeiro torna-se ainda mais vital. E muito mais ainda na área da saúde. Atentemos numa área específica da saúde: a saúde oral. Numa parceria entre a tutela e os municípios, foi determinado em 2018 que estes últimos equipavam os respetivos centros de saúde com o equipamento necessário para poderem ser dadas consultas de saúde oral à população, sendo da responsabilidade da tutela, através das respetivas Administrações Regionais de Saúde, providenciarem os recursos materiais e os recursos humanos para o seu funcionamento. Estava dado um primeiro passo para uma delegação de competências ao município. Volvidos quatro anos, com uma mudança da equipa ministerial, já se fez um balanço do projeto? Qual o seu futuro? Qual a viabilidade para os muitos profissionais que resolveram aderir e acreditar nesse mesmo projeto? Que condições lhes são efetivamente dadas para poderem progredir? A prometida carreira não chegou mais a ser falada e a verdade é que não faltaram propostas por parte da Ordem dos Médicos Dentistas para poderem ser discutidas e debatidas, por forma a dar corpo, rumo e um objetivo a um investimento realizado que necessita de metas mais concretas e palpáveis, bem como de condições remuneratórias e de trabalho dignas para os seus profissionais.

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As dificuldades de recrutamento adensam-se, principalmente nas zonas do interior, naquelas em que são necessários incentivos para poder fixar médicos dentistas. Mais, observamos que o recurso a empresas de recrutamento acabou por ser uma necessidade para algumas das ARS pois a dificuldade de fixar esses profissionais com as condições oferecidas é enorme. E, nos casos em que não existe esse modelo de recrutamento, fica difícil sabermos quais os critérios de admissão, passando tudo a girar num processo em si nebuloso e, quiçá, dúbio.

Tenho referido repetidas vezes a enorme importância que este processo de descentralização vai conferir aos seus cidadãos. Creio mesmo que a tutela não conseguiu lidar com algumas transformações que ocorreram na nossa população e enquanto sociedade. Os municípios souberam atempadamente dar uma resposta plena a estes novos problemas e vivências das nossas populações, principalmente nos territórios de baixa densidade, sempre mais esquecidos e fora da “bolha mediática” dos nossos dias. Procuram mais equidade e mais equilíbrio e estão mais longe dos vieses ideológicos na implementação de políticas que beneficiem efetivamente os seus cidadãos.

Na saúde oral, como na saúde geral, que se olhe verdadeiramente para os projetos piloto e que se retirem deles as conclusões que estão descritas em relatórios e estudos para que não tenhamos medidas e políticas desajustadas e que nos voltem a fazer perder mais tempo, que tendam a diminuir a confiança das pessoas nas instituições e que voltem a desligar entre si utentes e profissionais de saúde.