Desde a fundação que o CDS pugnou pelo municipalismo e por um modelo de reorganização administrativa que tornasse a máquina do Estado mais ágil e racional, vocacionada para o serviço ao cidadão.

Em, 2012, na discussão sobre a reforma administrativa de Lisboa, que reduziu para 24 as 53 freguesias da cidade, apresentámos um modelo mais ambicioso – apostando na criação de 9 distritos – para tirar partido das vantagens de uma gestão e escolha pública de proximidade que combatesse a irracionalidade, a ineficiência e o despesismo.

Foi com este histórico de reflexão e actuação no campo autárquico que nos pronunciámos sobre a assunção das competências do Estado para o Município de Lisboa, no âmbito do processo legislativo de descentralização.

A primeira coisa a dizer é que esta matéria se iniciou com a aprovação da Lei 50/2018, num acordo de bloco central PS/PSD, envolto num processo atabalhoado e pouco claro. Pedia o diploma, aprovado no Parlamento, que os municípios se pronunciassem sobre a aceitação ou rejeição das competências a transferir, sem que houvesse sequer diplomas sectoriais e regras definidas. Ou seja, uma nebulosa, bem turva, que obrigava os eleitos locais a tomarem uma decisão sem dados concretos.

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Mediante essa indefinição, assistimos à missiva da DGAL que, por ordem do Ministro da Administração Interna, dispensa a tomada de posição, num desrespeito claro e inequívoco sobre as competências da Assembleia da República. Há governantes, com um conceito bizarro da democracia, que não se conformam com as decisões do Parlamento quando estas lhes são desfavoráveis ou inconvenientes… Em suma, um começo pouco auspicioso.

Apesar de tudo, o CDS entende que o processo de descentralização deve ter uma atenção especial, designadamente por acreditarmos que a descentralização de competências do Estado para as Autarquias reforça o poder local, desde que o mesmo se traduza em melhores serviços para o cidadão, numa escala de proximidade e cuidado cada vez mais necessário, seja em espaço urbano ou rural.

Devemos, portanto, unir esforços para que este processo tenha um resultado profícuo para a cidade, começando por assegurar os meios necessários e adequados à sua execução.

Recentemente foram aprovados 11 diplomas sectoriais, que definem as competências a transferir, mas somente 3 se fazem acompanhar dos respectivos diplomas sobre o enquadramento financeiro. A falta de critérios grassa neste processo, empurrando a sua decisão para momento posterior. Os referidos diplomas sectoriais encontram-se em apreciação parlamentar, em sede de comissão, por solicitação do CDS, PCP e BE, sendo de uma necessidade imperiosa face ao desconhecimento da aplicabilidade de meios.

O CDS manifesta reservas quanto a este processo pelo facto de ser imposto de “cima para baixo” e sem a necessária consensualização com as Autarquias.

Depois, porque não queremos que se repitam os erros da Reforma Administrativa de Lisboa, replicando a insuficiência de recursos técnicos, humanos e financeiros adequados à competência transferida. Corremos o risco de ter tudo e de não fazer nada ou pior, fazer mal feito.

Vejam-se os números já divulgados para a Educação, onde Lisboa receberá edificado sem que o valor consiga fazer face às necessidades de intervenção estrutural nos equipamentos. Verbas que não cobrem as competências são um péssimo “negócio”.

O Parlamento chumbou o Fundo de Financiamento de Descentralização, ou seja, não há verbas alocadas a este processo, mas meros dados apresentados pelo Ministro. Mais uma vez, um factor que em nada contribui para o apuramento de meios e que pode levar as Autarquias a terem responsabilidades do Estado que não conseguem cumprir com a eficácia, eficiência e exigência necessárias.

Um dado relevante nesta discussão é a ausência de estudos que fundamentam a transferência de competências, de suporte à proposta do Governo, e que ajudariam na clarificação de matérias já sobejamente afloradas. Mais uma vez, falta de rigor nas contas públicas.

O executivo socialista da CML também não teve a capacidade de apresentar o enquadramento e a análise para aceitar a transferência de competências pelo que a proposta da CML apenas refere as matérias em que não serão necessários recursos adicionais. Mas essa avaliação não existe, o que agrava ainda mais as nossas reservas.

Ou seja, é claro para todos (à excepção do PS em que o mundo continua cor de rosa), que este processo é semelhante a um Ovo Kinder: bonito e apelativo fora, surpresa e incógnito por dentro.

O CDS é favorável à descentralização de competências do Estado para as Autarquias, num processo claro e transparente e com a devida avaliação das necessidades de meios técnicos, humanos e financeiros.

Transferir competências implica transferir o poder de decisão, regulamentação, planeamento e fiscalização, de modo a que os órgãos municipais possam assumir mais competências, prestando serviços públicos de qualidade e eficientes, assegurando simultaneamente a cobertura total do território municipal e condições de igualdade de acesso a todos os cidadãos.

O trabalho de proximidade das Juntas de Freguesias é o bom exemplo de como a decisão tomada com proximidade ao cidadão melhora a gestão urbana, pese as ineficiências ao nível de recursos.

Para garantir a autonomia do poder local, importa que a negociação dos recursos humanos, técnicos e financeiros, assegure o efectivo cumprimento das obrigações legais a transferir, de modo a que a prestação do serviço de qualidade ao cidadão não seja colocada em causa e que o Município de Lisboa não receba um “presente envenenado”.

No actual momento crucial do processo, é essencial que o executivo ouça as forças políticas representadas na CML e AML, mas também as associações locais essenciais na vida da cidade, de modo a que a transferência de competências seja um processo com um consenso significativo e abrangente.

O processo de descentralização, devidamente enquadrado e consolidado, trará ganhos efectivos à cidade. Mas com a ausência de dados sobre os recursos humanos, técnicos e financeiros a afectar ao processo o CDS, responsavelmente, não passa um “cheque em branco” ao Governo e ao Município.

Presidente da Concelhia de Lisboa do CDS e líder de bancada na Assembleia Municipal de Lisboa