Escrevo estas linhas no exato dia em que assinala um ano sobre o “Acordo Setorial de Compromisso para a Descentralização nos domínios da Educação e da Saúde”, celebrado entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
Mais do que um passo importante para acelerar e credibilizar o processo de descentralização de competências nas autarquias locais – o qual já leva mais de cinco anos, caracterizados por muitos percalços – este acordo representou, da parte dos autarcas, mais um voto de confiança no Governo.
Certo é que, de 22 de julho de 2022 a 22 de julho de 2023, há críticas justificadas. Só na área da educação, assumida por todos os municípios em 1 de abril de 2022, os atrasos nos reembolsos das despesas continuam a ascender a mais de 100 milhões de euros, não obstante a publicação, na passada quinta-feira, do Despacho n.º 7538-B/2023, que determina o reforço do Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD).
A estes atrasos, acresce a falta de pagamento dos denominados “acertos de final de ano” em resultado dos relatórios das Comissões de Acompanhamento, ou seja, da diferença entre as transferências e os valores que foram efetivamente gastos pelos municípios até ao final do ano de 2022.
Ora, esta situação coloca em causa a sustentabilidade financeira das autarquias locais, verificando-se alguns casos em que a mesma está a provocar a rutura de tesouraria e a condicionar o exercício de outras atividades municipais.
Ainda quanto à área da educação, e pese embora a oportuna celebração do “Acordo Setorial de Compromisso entre o Governo e a ANMP para o financiamento do Programa de Recuperação/ Reabilitação de Escolas”, os autarcas não podem deixar de manifestar as suas preocupações quanto a duas questões que continuam por aclarar: a não inclusão, na lista anexa ao acordo, de determinadas escolas que carecem de recuperação/ reabilitação e de algumas novas construções; a possibilidade do montante total do financiamento ser gasto antes da data-limite do acordo (2030), o que implicará o desenvolvimento de um novo processo negocial.
Já na área da saúde, cujas competências ainda só foram assumidas por cerca de metade dos municípios, o processo está marcado pela ausência do mapeamento e do programa de financiamento das obras em edifícios da saúde, bem como pela falta de portarias e despachos em vários domínios, que deveriam estar publicados até 31 de dezembro de 2022. Os municípios reportam, ainda, o mau estado de muitos edifícios, que determina encargos superiores aos valores recebidos, bem como o pessoal insuficiente e a escassez de verbas para reforço de recursos humanos.
Passados 365 dias, sou forçado a retomar a afirmação que anteriormente proferi: não basta fazer, é fundamental fazer bem! Caso contrário, é desvirtuado o princípio mais nobre da descentralização, que é garantir que as competências são exercidas pelo nível de administração melhor colocado para o fazer, com maior eficácia e com proximidade em relação aos cidadãos — o poder local.
Os municípios querem continuar a ser parte da solução. Mas, para tal, são necessários recursos e, acima de tudo, cumprimento integral dos acordos firmados. “Palavra dada, deve ser, palavra honrada”.