Numa noite de calor, sem quase nada para fazer, estive a ler o Plano Estratégico Plurianual de Requalificação e Modernização da Rede de Tribunais 2018/2028 que define, entre muitas coisas, quais os tribunais que vão ser construídos ou reabilitados durante a próxima década.

O Plano usa várias vezes a expressão “Parque Judiciário Comarcão” para se referir aos Tribunais de 1ª Instância. Ou seja, todos menos os tribunais de recurso, Relações e Supremos. Não consigo entender: tribunais são tribunais, Parque Judiciário Comarcão é uma originalidade, mas uma originalidade má. Fica aqui o registo do mau gosto, porque é também sobre isto que queria escrever.

O Plano faz uma breve descrição histórica da construção dos tribunais desde o século XIX, o que até é muito interessante. Sem edifícios próprios para servir como tribunais, no início eram usados quase exclusivamente os bens confiscados à Igreja Católica depois da Revolução Liberal de 1820. Não só para serem usados como tribunais, mas também como escolas, hospitais, quartéis e até cadeias.

Posteriormente, com a necessidade de encontrar mais espaços para instalar tribunais, ficou a caber aos municípios a sua instalação. E também as casas dos juízes. Mas a dificuldade orçamental da administração local para cumprir estas competências atirou para cima do Estado Central a construção de tribunais desde os anos 40 do século passado.

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Foi a era dos Palácios da Justiça, dos Domus Iustitiae, pensados e desenhados centralizadamente, sem qualquer relação com a arquitectura local, em especial no Alentejo e nas Beiras. Monos horríveis que ainda hoje nos assustam e deprimem. Depois da primeira leva de construções, foi retomada a tarefa nos anos ’80 e ’90, repetindo e ampliando os erros e várias vezes usando projectos com mais de 40 anos que tinham ficado por executar.

Veja-se por exemplo o Tribunal do Redondo, que destruiu a terra, ou o de Estremoz. O próprio Palácio da Justiça de Lisboa, com uma mistura de materiais indescritível (betão, azulejo, madeira, mármore, vidro, alumínio…). Sobredimensionado, feio, bruto. Mais recentemente, continuando a pecar cada vez mais, o Tribunal de Sintra, que parece estar sempre em posição de take off vertical. Braga, Oeiras, Viseu, Beja, enfim…

Não é, contudo, possível criticar estes planos de construção antigos nos mesmos termos em que criticamos um plano de requalificação e de modernização feito actuamente, com visão sobre o passado e, espera-se, estratégia para o futuro.

Um tribunal tem sempre um papel especial na vida de uma cidade. Tão importante como um parlamento, uma sede de governo ou uma câmara municipal. Este tipo de edifícios não são só importantes para quem os frequenta. As pessoas têm de os sentir verdadeiramente como seus, têm de gostar deles. Não se pode fazer o pleno nestas coisas, mas que haja, pelo menos, uma forte aceitação e reconhecimento. Nunca uma rejeição.

Da execução deste plano de 2018 espera-se que seja considerada como essencial a integração dos edifícios nas terras em que vão ser construídos, deixando de lado um modelo tipo, pronto para qualquer situação. Um edifício, um projecto.

Para além deste princípio, o Plano deveria ter tratado também dos tribunais desocupados, por encerramento ou substituição. Mas não, avança-se sem tratar do que fica para trás.

Sem querer entrar na discussão sobre a bondade do encerramento de tribunais – e há casos e casos – não se pode deixar de dar destino ao que vai deixar de ser usado para o seu fim inicial.

Para visualizar melhor: o Tribunal de Alcácer do Sal foi um dos abrangidos pelo plano de encerramento de alguns tribunais, há cerca de 5 anos. Trata-se de um daqueles Domus vulgar, feio e gigante, a ocupar e a estragar uma praça da cidade. Hoje funciona no piso térreo apenas a Conservatória dos Registos. Duas funcionárias e uma conservadora, 60 metros quadrados, que poderiam estar instalados num qualquer outro espaço, até mais central.

O que é óbvio e seria de esperar de um Plano que planeia as coisas mais importantes, é que se definisse também o que fazer com os tribunais que deixam de o ser. Edifícios vazios e desintegrados não têm de continuar até à eternidade. Podiam e deviam ser devolvidos os espaços aos municípios que, na maioria das vezes, cedeu os terrenos para a construção. Nos casos mais gritantes deviam ser demolidos e dar lugar a outras ocupações públicas, eventualmente de lazer. As populações agradeceriam, seguramente.

E isto não vale apenas para os tribunais que ficam vazios. Os que são alvo de requalificação, readaptação, reconstrução, deviam merecer alguma reflexão. O Palácio de Justiça de Lisboa, um dos mais horríveis atentados urbanísticos na cidade, visível de todo o lado, está actualmente incluído num plano de retorno dos Tribunais no Parque das Nações e da desocupação do estabelecimento prisional da Rua Marquês de Fronteira. Não seria uma boa ideia desconstruí-lo e fazer tudo de novo? Talvez fosse até mais barato.

Senão, o Estado acaba sempre por ficar com estes edifícios às costas, suportando os custos de manutenção e o desgosto de quem os usa. Aqui fazia falta uma comissão, para pensar e propor, com rigor e imaginação. Em Inglaterra criaram uma comissão destas, mais virada para a habitação – Building Better, Building Beautiful – mas depois despediram o Roger Scruton e agora já não deve ir a lado nenhum.

Advogado