A UCI em que trabalho fica no Alentejo.

Alentejo. Aquela região de Portugal que, com um terço da área do País, tem 7% da sua população. Como todas as regiões deste nosso jardim tão variado e diverso, tem gentes de características e hábitos próprios. Gozados por alguns. Respeitados por muitos.

Trabalho de perto com médicos, enfermeiros e auxiliares alentejanos, nascidos e criados aqui, com pais e avós enraizados nesta terra. Alfacinha que eu sou, e por isso sem terra própria, logo me apercebi e estranhei os dialectos próprios desta gente. Dialectos sim, no plural, porque há termos e hábitos diferentes, de terra para terra, deste grande território.

– Chiba-te, badalo, que o doente tem o esófago cheio de reguingalhos, atibado até deitar cagulo.

– Tem avondo!

– Codilho, que deslareio! Tragam-me atifalhos, que isto está uma barrasqueira!

E eu vou ouvindo estas coisas, cheio de pontos de interrogação na cabeça. Com tempo, vou perguntando e sabendo. Termos da aldeia da avó Delfina, ou da terra da enfermeira Ana Adelina. Alguns destes meus companheiros de trabalhos e jornadas acenam em concordância, reconhecendo palavras habituais. Outros sorriem, lembrando expressões da sua infância. Mas há sempre diferenças entre as terras, pequenas particularidades específicas deste ou daquele lugar. Palavras de tempos antigos, medievais, árabes, fenícios, celtas, guardados nestes lugares de pouca invasão ou mudança.

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– As coisas têm mais nomes que o atabefe, doutor.

Pois é, têm mesmo, nomes e sentidos com tonalidades ligeiramente diferentes. Alguém disse que falar uma segunda língua é como ter um segundo cérebro. Mas cada um destes dialectos tem também particularidades culturais próprias.

– Ai, trapaçaria, estou espercida.

– Desengoma-te mas é, que pindenga! Vem ajudar-me, que o doente está a impar e temos de o amagar…

Chegado a casa, depois de 24 horas a trabalhar, o meu filho, carne da minha carne, sangue do meu sangue, vem a correr para mim.

– Pai, pai, tenho uma borrega na mão!

– Não é uma borrega, filho, é uma bolha.

– Pai, o que é uma bolha?

E é assim, alfacinha alentejano que eu sou, com filhos nados e criados por cá. Que carga de fezes!

Dicionário:

– Chiba-te, badalo: exclamação frequente de que nunca ninguém me conseguiu explicar a origem ou o significado. Será semelhante a: arre! gaita! caraças!
– reguingalhos: aquilo que fica no fundo das garrafas, o assento…
– atibado: cheio de.
– deitar cagulo: estar acagulado, deitar por fora.
– tem avondo: já chega, é suficiente.
– codilho: complicação. Usa-se muitas vezes “está o codilho armado”.
– deslareio: desassossego.
– atifalhos: compressas grandes, não esterilizadas, bem molhadas.
– barrasqueira: porcaria, derivado do barrasco (porco).
– atabefe: sinónimo de almece ou travia, coalho, no fundo é o requeijão antes de se espremer o líquido.
– trapaçaria: confusão.– espercida: é um cansaço mas mental, psicológico.
– desengomar: despachar.
– pindenga: coisa que nunca mais se despacha, que demora.
– impar: suspirar, gemer, lamuriar.
– amagar: sossegar, ir dormir.
– borrega: bolha.
– fezes: preocupações.