ASL: Como Filósofo e Professor, onde e como poderia ser incorporada a filosofia no ensino das crianças e jovens?

RE: A Filosofia, desde sempre, procura (re)pensar, mais profundamente, o ser e o tempo (título, aliás, de uma das mais importantes obras de Filosofia do século XX…). No nosso tempo, diria que a Filosofia tem como função primordial a de nos religar com o ser, com a própria realidade. Ao contrário do que aconteceu noutros tempos, em que a Filosofia discutiu coisas que pareciam “fora deste mundo”, nos nossos tempos, a grande prioridade parece-me ser essa: religar-nos com o ser, com a própria realidade. Tanto quanto possível, a todos os níveis do ensino…

ASL: Concordo plenamente, a Filosofia contemporânea tem tentado redireccionar-nos para  um novo padrão de racionalidade, contrário ao “moralmente correto”, que estava presente até o século XIX e que passou a ser questionado por filósofos como Marx e Nietzsche, que tiveram a necessidade de perseguir mudanças sociais, com a finalidade de estabelecer um novo tipo de sociedade, por Marx, e um novo tipo humano mais forte, segundo Nietzsche. Os filósofos modernos começaram a encarar o “racional” como o caminho que permitiria ao ser humano dominar e descobrir a sua a própria natureza. E cada vez mais nas escolas a associação desta  filosofia, a que podemos também chamar do reencontro connosco e com o mundo que nos envolve deveria ser partilhado desde muito cedo nas escolas… Mas, queres dar exemplos disso que defendeste?

RE: Sim, posso dar o exemplo das correntes ditas “anti-especistas”, que põem em causa a diferença qualitativa entre humanos e animais. É uma pura posição ideológica (no pior sentido do termo), sem qualquer sustentação na realidade. Porém, é uma posição cada vez mais na moda, sobretudo entre os mais jovens…

ASL: Creio que este tipo de correntes, quando assumidas pelos jovens, podem assumir um certo extremismo, que penso poder estar ligado a alguma falta de pensamento crítico e, muitas vezes, como um modo de se impor por falta de autodeterminação. Um “Eu estou aqui e até sou diferente”. Talvez algum vazio interior? Como explicas isso?

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RE: É um corolário do que se chamou o paradigma da pós-modernidade: a dissolução de todas as diferenças qualitativas. A pretendida dissolução da diferença qualitativa da espécie humana é apenas uma delas. Poderíamos também falar da pretendida dissolução da diferença qualitativa entre géneros…

ASL: Achas então que há de facto a chamada “ideologia de género”?

RE: Claramente – por muito que aqueles que a difundam não tenham consciência disso e julguem defender posições realistas. É, também esta, uma pura posição ideológica (no pior sentido do termo), sem qualquer sustentação na realidade…

ASL: Olhemos para o SIGI (Social Institutions and Gender Index, um índice da OCDE que avalia a discriminação entre homens e mulheres) e que  avaliou em 2014 mais de 100 países de vários continentes e concluiu que o Iémen é o país mais desigual para as mulheres. Países como o Mali, Sudão e Gâmbia  também estão enquadrados no topo da lista dos que mais discriminam as pessoas, baseados no género. Nestes países há que sublinhar que as mulheres sofrem muito… É cultural e está muito enraizado. Nos países europeus, as mentalidades estão a evoluir no que diz respeito à igualdade, mas nem mesmo as gerações mais jovens são imunes aos estereótipos e às disparidades de género, o que é incrível no século XXI. Hoje em dia, as desigualdades entre mulheres e homens persistem, em especial no mercado de trabalho. Na minha opinião, a igualdade de oportunidades entre os homens e as mulheres é crucial para garantir a sustentabilidade de uma economia e de um país, para não falar no valor humano acrescentado, aliás, que serve de exemplo às gerações mais novas… Mas sei que não estavas a pôr em causa essa desejável equidade – mas a indiferenciação masculino-feminino, presente na “ideologia do género”. Pensas que a Filosofia pode ser um antídoto a isso? 

RE: Não sou assim tão optimista… Quando o discurso político-mediático vai, quase todo ele, numa determinada direcção, a Filosofia, por si só, não consegue inverter a corrente. Mas pode, sobretudo entre os mais jovens, promover um maior sentido crítico…

ASL: Daí, então, a importância da Filosofia na Escola…

RE: Sim, mas a Escola, por si só, não faz “milagres”. Quando o discurso político-mediático que se ouve na televisão ou que se lê nos jornais vai, quase todo ele, como disse, numa determinada direcção, a Escola, por mais bem estruturada que esteja, não consegue, por si só, mudar isso. Mas, promovendo um maior sentido crítico, sobretudo entre os mais jovens, pode ser a sementeira de mudanças futuras, a médio-longo prazo…

ASL: Vou-te contar uma história interessante… No meu último livro, que escrevi para crianças,  tive dúvidas se estaria a colocar o homem e a mulher, de uma família de 5, no mesmo patamar de tolerância, sofrimento e força. Escrevi e apaguei várias vezes, até que senti que já poderia estar bem… Pedi a uma criança, filho de uma amiga, para ler o livro. Ele gostou bastante. A mãe prontamente, enviou-me um desenho dele, que seria o resumo do meu pequeno livro. Fiquei surpreendida, porque desenhou a mãe e o pai do mesmo tamanho, iguais, e os filhos felizes, mostrando-me desta forma  que percebeu que ambos desempenhavam um papel diferente, mas  importante da mesma forma.  Ou seja, a família tem um papel fundamental para os alicerçar,  a escola teria que os “despertar” para a curiosidade que os rodeia, de uma forma simples e apelativa.

Creio que, se grande parte das matérias escolares, fosse incorporada um pouco de Filosofia (adequada e direccionada aos temas),  as crianças e os adolescentes aprenderiam mais rápido e estariam mais motivados e  dar-se-ia o início do tal “espírito crítico”, logo desde cedo. A Filosofia cria a curiosidade necessária  para a procura de mais, encontra a explicação para tudo, e fá-los-ia pensar de uma forma única e mais simples.