ASL: “A filosofia é diferente da ciência e da matemática. Diferentemente da ciência, não se baseia em experimentos ou na observação, mas apenas no pensamento. E diferentemente da matemática, não possui métodos formais de prova. A filosofia é feita simplesmente por meio do questionamento, da apresentação de ideias e da busca de argumentos possíveis contra elas, e da pergunta sobre como os nossos conceitos realmente funcionam” Thomas Nagel. Como comentas esta frase?

RE: Sim, a filosofia sempre se caracterizou por isso: ser a forma máxima de auto-consciência do próprio pensamento. Daí essa atenção, igualmente máxima, em relação à terminologia e à argumentação… Mas essa tem sido também, em muitos casos, a perdição da própria filosofia: enclausurar-se num solipsismo em que já nada nos liga à realidade… Lembro-me sempre, a este respeito, de uma “boutade” pessoana: “pensar é estar doente dos olhos”. Obviamente, é uma “boutade”, uma provocação… Mas não deixa de ser um alerta pertinente. Devemos pensar sempre com os olhos bem aberto, atentos à própria realidade, para não nos enclausurarmos nesse solipsismo estéril e alienante, que poderá ser ou parecer uma forma de intelectualismo, mas que pouco ou nada tem de filosófico. Pode parecer paradoxal, mas sinto-me cada vez mais um filósofo anti-intelectualista…

ASL: Certo, acrescento que Thomas Nagel, um dos meus escritores-filósofos preferidos, no extraordinário livro “O Quer Dizer Tudo Isto?”, questiona o sentido da vida, a natureza da morte, se existe mundo exterior, se seremos realmente livres. Afirma: «Escreve-se acerca destes problemas há milhares de anos, mas a matéria-prima filosófica vem diretamente do mundo e da nossa relação com ele, e não de escritos do passado»; faz uma introdução aos principais problemas, teses e argumentos da filosofia, colocando a ênfase na capacidade de levantar questões, traçar distinções e formular hipóteses…muito interessante. Já te disse, quando a filosofia teve o seu início na escola e na minha vida, tudo começou a fazer mais sentido… Mas, retomando o que disseste, o queres dizer quando te assumes como “cada vez mais um filósofo anti-intelectualista”?

RE: Talvez também precisasse de um livro para o explicar devidamente… Mas, da forma mais sucinta possível, diria que a filosofia, tal como a entendo, é, acima de tudo, uma sabedoria de vida, que mais naturalmente se cumpre no silêncio, ou em breves palavras, do que na tagarelice, por mais que erudita…

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ASL: Compreendo: através da filosofia, o indivíduo compreende a meu ver a importância de ter a mente aberta para assimilar novas ideias, novos conceitos, novos valores… Será verdade?

RE: A filosofia, classicamente, tem alguma relutância relativamente ao alegado “novo”. Haverá algo de radicalmente “novo”? Todo o alegado “novo” não será apenas uma variação, ainda que não meramente repetitiva? Tendo a considerar isso, ainda que, obviamente, existam variações que são realmente novas…

ASL: Falando agora de ideologias e extremismos…será que as ideologias que, como se está de novo a assistir um pouco por todo o mundo, levam à destruição dos povos deverão passar a um pensamento mais racional e humano?

RE: Idealmente, os excessos ideológicos deveriam ser evitados pelo pensamento crítico próprio da filosofia. Mas sabemos que, historicamente, isso não tem sido assim. Desde Platão que há, também na filosofia, uma tentação pelo poder. Heidegger – provavelmente, o maior filósofo europeu do século XX – também não resistiu a essa tentação, tendo-se envolvido, como se sabe, no delírio nazi alemão…

ASL: Ouvi há pouco, a expressão “a filosofia está na moda”. Concordas?

RE: Infelizmente, não. É certo que a filosofia tem sido revalorizada em certas áreas – inclusivamente, a nível empresarial –, por contribuir, em regra, com um pensamento menos pré-formatado, mais abrangente, mais inter-disciplinar, mais holístico. Mas não me parece que essa seja uma tendência crescente na sociedade em geral. Olhando para as “redes sociais”, dir-se-ia que se passa exactamente o contrário: posições cada vez mais imediatas, meramente emocionais, em que cada um vive na sua “bolha”, com a sua “tribo”: a antítese da vivência e da convivência de cariz filosófico…

ASL: Será pela falta de leitura na escola?

RE: Essa é decerto uma das causas. Hoje, o mais comum, mesmo em trabalhos universitários, é um aluno não citar livros, mas apenas “sites”, onde vai buscar algumas citações. Ou seja, tem-se vindo a perder essa experiência de uma leitura de fôlego, de fundo, em prol de uma leitura fragmentada. Ora, na filosofia, isso é particularmente trágico…

ASL: Concordo. E acrescento que existe pouco tempo dedicado para a leitura e nas escolas não há espaço para um pensamento mais aberto, o que leva ao desinteresse pelo mundo e transforma os adolescentes em seres “vazios”, sem se aperceberem… Deixo, para terminar, esta mensagem: a busca do conhecimento é um olhar certeiro e inequívoco do encontro do “eu” e do relacionamento sincero e real com os outros. A busca de respostas é um ato filosófico que nos ajuda a refletir, criticar e argumentar perante tudo o que nos rodeia. Mas a realidade é que muitas vezes não nos damos ao trabalho de sentir o essencial e seguimos o caminho da tal terrível “bolha”, permanecendo nela confortáveis, porque é o caminho mais fácil…