A democracia portuguesa, ou, alternativamente, o actual regime em Portugal, tem pela frente sérios desafios, que irão testar a capacidade de lidar com contextos adversos, tanto a nível interno como a nível internacional. Estes desafios podem-se apresentar em duas frentes, que estão relacionadas: económica e política.

Sobre a frente económica, Portugal corre sérios riscos que, apesar de estarem presentes, e bem, no debate político, não estão, e mal, na acção que é feita. Há problemas estruturais de fundo, nos quais se inclui o problema da frágil produção nacional, de riscos externos para a dívida pública, da exposição económica a factores externos, seja pelos preços da energia ou pelo turismo, na produtividade e na qualidade do emprego. Há ainda, a nível político, o estado do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a baixa natalidade, a seca no interior e o problema artificial criado pela nuvem da extinção do SEF.

A doce mentira diz-nos, de forma indirecta, que vai ficar tudo bem, que a economia portuguesa entrará em crescimento através de aumentos marginais dos rendimentos trazidos por este governo, que o SNS está óptimo, que a extinção do SEF não terá consequências, e deixa ainda implícito que a seca não nos irá afectar. Digo indirecto e implícito pois o facto de não haver uma proposta concreta e clara de reforma para solucionar estes problemas dá a ideia de que ou há um plano/evento secreto a acontecer que deixa a liderança política descansada, ou há a esperança de que o problema se resolva sozinho.

Ao que aparenta, a política nacional parece pôr os ovos todos no mesmo cesto: o facto assumido de o cenário internacional ser relativamente estável e favorável. Se o COVID-19 ameaçou essa estabilidade, mais ainda o fez a guerra na Ucrânia. A sociedade portuguesa está, em termos de sustentabilidade, assente nos fundos europeus, que foram abalados com o Brexit. Como faremos se um dia emergir victorioso um dos movimentos extremistas e anti-europeus na França, Alemanha, Itália ou até em Espanha? Que seguro temos para um possível imprevisto nestes campos, que ponha em causa o status quo na UE?

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A dura verdade diz-nos que estes problemas existem e sugere que continuarão a agravar-se, a velocidade incerta, nos tempos que temos pela frente. Tudo aponta para a intensificação dos mesmos e, pela minha observação das passadas eleições de 30 de Janeiro, não há interesse político em atacar o subconjunto de desafios que existia antes da invasão da Ucrânia, nem em apresentar uma solução holística e de longo prazo. Isto, não por não haver partidos a procurar soluções, mas porque as eleições sugeriram que o país tem uma minoria dominante de votantes (não é engano, ver parágrafo abaixo) desinteressados das reformas e alinhados com um governo que é conformista (anti-reformista). Não tenho a solução do meu lado, nem sei mais que o cidadão comum, mas sei que para atacar problemas de natureza estrutural só há uma forma de solução: as reformas.

Para agravar a falta de ímpeto reformista, o nosso sistema eleitoral, usando o método de Hondt, continua a demonstrar a falta de fé na democracia que está implícita no nosso regime: o principal argumento deste método é para que se concentre o poder no vencedor, isto é, para que não seja necessário dialogar para governar, um conceito oposto a um dos princípios básicos da democracia: a pluralidade, e o seu principal alimento: o debate. Por isso hoje quando escrevo isto, sou governado por uma minoria absoluta de 21,3% dos votantes. Isto é, 41,37% de votação no PS, de 51,42% de votantes que foram às urnas. Praticamente um quinto da população tem agora em sua representação um governo quase absoluto no país, porque há outro princípio básico da democracia que falha no nosso regime: a separação de poderes.

A separação de poderes aconselha a distribuição por diferentes órgãos dos seguintes poderes: executivo (governo), legislativo (Assembleia da República) e judicial (tribunais). Ora dado que a maioria parlamentar é legislativa, pertencente a um partido que também aprova o governo no parlamento, partido esse que responde em última instância ao líder do partido que é tipicamente também líder do governo (Primeiro-ministro), perde-se a efectiva separação de poderes. Isto porque, de acordo com a hierarquia actual dos partidos e dos seus deputados, o mesmo homem encabeça neste momento, de facto, o poder legislativo e executivo.

Como jovem, devo dizer que tudo isto me traz preocupação, porque a atenção da actual elite política nas reformas parece centrada sobretudo na descentralização, que a mim me parece secundária e até mesmo desnecessária, chegando mesmo a parecer uma solução da política para a política, sem quaisquer benefícios para o cidadão comum. Pelo andar das coisas, vejo um país assombrado por um futuro aparentemente negro quando olho para tudo o que temos de bom e pressinto a sua insustentabilidade: não consigo vislumbrar agora uma solução para o SNS, e parece-me que o actual caminho levará inevitavelmente à sua dissolução por via da falta de pessoal e equipamento; tudo indica que a seca agravará a nossa agricultura, sem resposta política, com as consequências imprevisíveis que isso traz; pensar em receber uma reforma decente da segurança social daqui a 40 anos é para mim (talvez não seja só eu), como economista, uma impossibilidade aritmética; a nossa economia continuará indefinidamente de bancarrota em bancarrota, e de crise em crise até que a realidade nos obrigue a que nos alinhemos com ela.

A falta de uma liderança, um projecto, uma solução credível para Portugal coloca uma nuvem negra sobre o futuro que este país tem pela frente, e a leveza com que se enfrentam os problemas estruturais, que são graves, leveza essa que muitas vezes apenas serve para salvar a face de um ou mais decisores políticos em detrimento do serviço público, levam-me a ter esta visão. Faz falta uma postura humilde perante a política, com posições claras e transparentes, soluções realistas e um espírito de serviço. Por isto, a meu ver, o CDS faz muita falta a Portugal, por ser um partido que tem tido a postura e atitude certa neste sentido, e por ser, dos que conheço, o que mais se aproxima de uma visão para o país com um espírito reformista adaptado à realidade que o país vive. Admito que não tenha todas as soluções, mas é um partido que dialoga e que, juntamente com outros, certamente contribuiria para a tal visão que faz tanta falta a este país.