Todos percebemos nos últimos dias que o presidente Joe Biden não estava nada entusiasmado com a ideia atribuída à terceira figura política dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, de visitar a lusitana ilha Formosa, hoje Taiwan, sem que a ilha – um pouco mais de um terço de Portugal mas com cerca de 30 milhões de habitantes – perdesse até hoje a independência garantida pela presença norte-americana. Contra a China de Mao-Tse-Tung, líderes militares anti-comunistas como Chiang-Kai-Chek e o seu filho governaram Taiwan desde o fim da 2.ª guerra mundial, sem que a sua independência fosse reconhecida pela ONU mas, em contrapartida, beneficiou desde então o apoio aberto dos USA, o que explica que o sistema político local tenha acabado por se democratizar entretanto.

Até hoje, Taiwan continua a ser, na prática, um país independente. O imperialismo chinês, porém, não se resigna. Sem a presença dos USA, a China já teria invadido Taiwan à maneira do que a Rússia tem estado a fazer na Ucrânia! A ida de Pelosi, apesar de temida pelo governo norte-americano, enquadra-se plenamente na resposta imediata dos USA e da NATO à Rússia quando Putin atacou a Ucrânia a fim de tentar ressuscitar o poder soviético derrotado há mais de trinta anos. A forma belicosa como a ditadura chinesa ameaçou atacar Taiwan no caso de Nancy Pelosi se atrever a desembarcar no aeroporto de Taipé foi inútil. Em vez disso, o mundo inteiro pode actualmente confirmar a chegada dela e dos seus acompanhantes há poucas horas.

Como era de prever, os agentes do regime chinês, desde os militares até aos porta-vozes da ditadura, fizeram imediatamente o possível para meter medo à população mundial, em especial aos USA. E com alguma razão. Os dirigentes da China – isto é, do partido comunista – devem estar a congeminar «jusqu’où peut-on aller trop loin», como dizem os Franceses: «Até onde se pode ir longe de mais?». A China colocou-se, pois, antes mesmo da chegada de Pelosi, na mesma posição da Rússia quando Putin anunciou o ataque à Ucrânia e, simultaneamente, ameaçou com a bomba nuclear no caso de as suas intenções políticas e militares não serem suficientes, como efectivamente não têm sido até agora, para vergar de vez não só a Ucrânia como também os países da NATO!

Pelo seu lado, a atitude de Nancy Pelosi já se tornara pública e determinada quando se manifestou, há mais de 30 anos, na Praça da Paz Celeste de Pequim, desfraldando então uma faixa em homenagem aos dissidentes chineses mortos nos protestos de 1989. Hoje, ela reincidiu e trouxe consigo o ministro da Guerra do governo Biden, o qual tem estado empenhado na operação da NATO contra Putin e certamente ambos terão trocado opiniões acerca da crise entre as democracias ocidentais e as ditaduras orientais, conforme Putin tem aliás invocado.

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A esta hora, é seguro que os chamados «leaders» mundiais estejam a coçar o alto das respectivas cabeças para decidirem o que fazer… No que respeita à intervenção de Nancy Pelosi, ela não pode ter menosprezado as previsíveis reacções da China e da Rússia! Quem sabe se não foi deliberadamente que ela e quem a rodeia decidiram pressionar os regimes autoritários ou, como se diz no «poker», «call their bluff», em vez de a NATO continuar a ser vítima da habitual chantagem totalitária?

Acontece que nenhuma destas questões é nova. No que respeita à Rússia, há anos que esta já havia conquistado à Ucrânia território substancial, assim como continua a dominar países e regiões sob o seu jugo. Quanto à China, desde o tempo de Mao Tsé Tung que não cedeu um milímetro às populações de territórios como o Tibet e não só. Sob a nova provocação armada contra a Ucrânia e a simultânea ameaça de recorrer ao nuclear, Putin quis mostrar até onde poderia ir se os USA e a NATO não cedessem.

Inversamente, a ida de Pelosi a Taiwan talvez venha a revelar os limites da pressão constante que a China e a Rússia têm exercido sobre os chamados países capitalistas. Não é impossível, aliás, que a crise financeira e social desencadeada há pouco tempo tenha tido lugar a coberto da pandemia originada na China: com efeito, esta não cessou desde então de prolongar a sua ofensiva internacional. Segundo os analistas, foi a guerra da Rússia contra a Ucrânia e a NATO que levou Xi Jinping a reorientar a sua geopolítica.

Por seu turno, a China mapeou de novo o espaço do Pacífico e do Índico, recuperando ao mesmo tempo a ilha de Taiwan, o que pode ter mexido com as relações da China de Xi Jinping com os Estados Unidos e, concretamente, com Taiwan, donde a inquietação com a vinda de Nancy Pelosi à pequena ilha. O momento é, pois, de acompanhar de perto.