1 A primeira parte deste texto beneficiava, propositadamente, de um conjunto de simplificações, ironias e situações-tipo que pretendiam chamar a atenção do leitor para as dificuldades que, arrisco dizer, a esmagadora maioria das mulheres enfrenta no decurso de um dia normal. Naturalmente, o registo deste texto, assume-se diverso da primeira parte.
Se o assunto é igualdade, não podemos esquecer que a versão originária da Constituição da República Portuguesa, em 1976, não continha uma disposição que estabelecesse a igualdade entre homens e mulheres e proibição da sua discriminação, por se ter considerado desnecessária a especificação, ficando apenas em 1997, em sede de revisão constitucional, estabelecida a vinculação a essa igualdade.
2 É inevitável, no momento atual, não olharmos para o brutal assassinato de Masha Amini e a onda de revolta, libertação e empoderamento feminino que, um pouco por toda a parte, mas sobretudo no Irão, tem causado essa morte. Sejamos claros, se regra geral é muito difícil ser-se mulher, no Irão e em muitos outros regimes similares, é muito pior, por isso é com um misto de emoção e comoção que observo a onda de protestos por quem arrisca a sua própria vida a todo o momento. Se, como em todos os protestos, há um pouco de hipocrisia de quem se associa, as jovens que se arriscam naquele país, soltando o grito de revolta de quem não suporta mais abusos, merece todo o nosso apoio e o nosso respeito.
Com a tomada do Afeganistão pelos Talibãs, observou-se o gigantesco retrocesso que os direitos das mulheres sofreram. Simbolicamente, um ano antes, eram centenas as meninas e mulheres que, debaixo de uns abrasadores 37 graus, em plena pandemia, faziam o exame de acesso à universidade, sem proteção, mas distanciadas umas das outras, talvez porque tinham a consciência que a libertação feminina em geral, e a sua em particular, por aquelas bandas, se encontrava intimamente ligada à educação. De uma poderosa imagem de esperança, às trevas de um regime opressor, distou apenas um ano.
3 Na verdade, os direitos das mulheres, a sua segurança e o respeito que merecem, nunca se encontra plenamente assegurado, e isso – como já tentei transmitir na Parte I – é culpa de muitos homens que, sistematicamente, oprimem, assediam, agridem e, em demasiados casos, assassinam. O atropelo pela individualidade e respeitabilidade da mulher não acontece só nos países que se mencionaram, mas ocorre todos os dias, ao nosso lado. É triste, como continuamos a pactuar com grupos em plataformas digitais que se dedicam à partilha de fotos privadas de miúdas que cometeram o erro de confiar num determinado homem. Como o nosso ego é suficientemente fraco para, a certa altura, aceitar e fomentar a crueldade associada à partilha de conteúdo privado decorrente de um ato de amor ou confiança.
E, como se este tipo de agressão não fosse suficiente, à mulher restará ainda a comiseração, o paternalismo escondido em conselhos “bem-intencionados” de um comportamento futuro que não tenha esse tipo de exposição, ainda que privada. Curiosamente, não há quem se digne a parar um segundo para condenar a atitude abjeta de partilhar com o público o que devia ser privado, e ao mesmo tempo, se digne a abraçar a vítima, que é violentada vezes sem conta, partilha após partilha, num perpetuar de rótulos que insistem em ficar colados à sua pele.
As 16 mortes já registadas no primeiro semestre deste ano, são a demonstração de que a mulher, entre nós, nunca está plenamente segura. Um número que nos devia envergonhar, e que todos os anos cresce. Às vítimas que conseguem resistir sem perder a vida, resta-lhes o calvário que se inicia com a mudança de casa e termina nos incontáveis encontros que ainda lhe restam com o seu agressor.
A solução disto passará, dirão muitos, pelo agravar das penas para estes agressores; por seu turno, outros dirão que é a educação que começa no berço que deve mudar a mentalidade dos rapazes, fomentando a igualdade e o respeito, eliminando toda e qualquer possibilidade de desrespeito pela mais absoluta igualdade entre homens e mulheres. Na verdade, não há uma solução milagrosa que resolva o problema de um dia para o outro, mas isto não pode continuar e é à minha geração que compete fazer, de uma vez por todas, a revolução de mentalidades e comportamentos!
4 Por último, a desigualdade salarial. Em média, as mulheres recebem menos 13% do que os homens, podendo, consoante as profissões, aumentar a percentagem. Não existe nenhuma razão para que isso se verifique. Regra geral, as mulheres são melhores profissionais e mais preparadas do que a maioria dos seus colegas do sexo masculino. Enquanto não houver trabalho igual, salário igual entre homens e mulheres, não podemos falar em igualdade e, não o podendo fazer, estamos a falhar e a permitir a perpetuação de um estado de coisas que não tem razão de ser, nem pode continuar a existir.
Sumariando, é difícil ser mulher, na infância, na juventude, na idade adulta; como é difícil ser mulher, na escola, na universidade, em casa, nos momentos de lazer, nos ginásios e na empresa. É difícil ser mulher um pouco por toda a parte, ao ponto de terem de suportar um careca a escrever sobre as dificuldades que todas as mulheres enfrentam um pouco por toda a parte.