No Congresso do PSD, Miguel Pinto Luz afirmou que o governo, no que concerne à crise da habitação, enfrentou “de frente, olhos nos olhos o problema de todos os portugueses, gerações e gerações de portugueses; fomos mesmo à origem do problema e apresentámos soluções perenes, definitivas, que resolvem o problema dos portugueses”, ao mesmo tempo que reduziu listas de espera de doentes oncológicos, e avançou com a criação de novas unidades locais de saúde tipo C, trabalhando “todos os dias para que todos os portugueses e todas as portuguesas tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade”.

Em poucos minutos, o ministro das Infraestruturas e Habitação abordou três temas que me são particularmente caros e sobre os quais tenho experiências lamentáveis.

Tenho 37 anos e pago, em conjunto com a minha mulher, uma renda de quase 1500 euros num concelho limítrofe de Lisboa, cidade onde trabalhamos. Somos quadros superiores do Estado, com salários acima da média nacional, atravessámos crises económicas sucessivas desde 2008 sem qualquer apoio e temos procurado amealhar para fazer face às despesas iniciais da aquisição de habitação própria, perspectiva que se tem tornado verdadeiramente utópica num país com rendas exorbitantes (especialmente na região em que trabalhamos), condições de acesso ao crédito à habitação restritivas e impostos absurdos, máxime o IMT e o Imposto do Selo, que se constituem, em conjunto com a exigência do montante de entrada correspondente a 10% do valor do imóvel, num colossal obstáculo, especialmente num contexto em que a especulação imobiliária vingou perante a inércia dos governos anteriores (e da complacência do actual), tornando os preços da habitação incomportáveis para milhares de pessoas que se encontram em situação idêntica à nossa. Por mais que trabalhemos e aforremos, sinto que estamos a jogar num campo particularmente inclinado, um jogo que está, à partida, viciado contra nós.

Nesta matéria, assistimos estupefactos à adopção de medidas que apenas abrangem os jovens (dizem-nos que são apenas aqueles que têm até 35 anos de idade), designadamente a isenção do IMT e do Imposto do Selo e a garantia pública para o financiamento a 100% na aquisição da primeira casa. Note-se que são políticas iníquas na medida em que introduzem um grau de desigualdade fiscal e social sem precedentes, ao arrepio da bússola da equidade intergeracional, que vai sendo erodida por este governo, medida após medida, pelo que deveriam ter sido sujeitas a análise pelo Tribunal Constitucional. Equitativo e fiscalmente justo seria aplicar estas medidas à aquisição da primeira casa para habitação própria, independentemente da idade.

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Num debate sobre o Orçamento do Estado que teve lugar no ISCSP-ULisboa, promovido pelo Núcleo de Estudantes de Ciência Política, na passada Quinta-feira, com representantes dos partidos com assento parlamentar, e no qual fui moderador, os deputados da Aliança Democrática defenderam as referidas medidas com o argumento de que é preciso ter algum critério quanto à idade porque o governo não pode apoiar todos os que pretendem adquirir habitação própria, tendo decidido pelo foco exclusivo na faixa etária dos 18 aos 35. Ficou, portanto, bastante claro que eu e a minha mulher, como todos os que, como nós, têm entre 35 e 67 anos de idade, somos invisíveis para este governo, servindo apenas para pagar impostos que permitem financiar medidas altamente injustas (veja-se ainda o IRS Jovem) que têm como único propósito favorecer os jovens que o PSD pretende fidelizar como eleitores a longo prazo. A aparente preocupação com a “fuga de cérebros”, característica de países de baixos salários, não é exclusiva dos jovens até aos 35 anos de idade e é meramente um pretexto para políticas que visam sustentar a sobrevivência eleitoral do PSD. Connosco, evidentemente, não contam.

Quanto à redução das listas de espera de doentes oncológicos, tenho um amigo que foi diagnosticado com um tumor há 5 meses, padece de dores excruciantes e ainda não iniciou qualquer tratamento. Acompanhado no Serviço Nacional de Saúde, garantiram-lhe a realização de um tratamento inovador. Era suposto tê-lo iniciado há duas semanas, mas foi adiado para o final de Novembro. Dizem-lhe que, infelizmente, a única coisa a fazer é aguardar, uma vez que o cenário cirúrgico foi de imediato afastado. É lamentável e assustador que os doentes oncológicos, cujo tempo é mais premente que para os demais, estejam dependentes de um serviço que os deixa à sua sorte precisamente na fase em que deveria ser mais célere e eficaz. Talvez o SNS esteja à espera que o problema se resolva a si próprio.

Por último, no que diz respeito às unidades locais de saúde e ao alegado trabalho do governo para que todos os portugueses tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade, também há algo a dizer.

A minha mulher está grávida. Recentemente, dirigimo-nos ao centro de saúde e às duas unidades locais de saúde da nossa área de residência e em todos lhe foi rejeitada a atribuição de médico de família, condição para o acesso de proximidade a uma miríade de cuidados de saúde sem necessidade de recurso a hospitais. Se uma grávida não tem direito a que lhe seja atribuído um médico de família, algo está muito errado quanto ao apoio à natalidade neste país.

Segundo a norma da Direcção-Geral de Saúde, a vacinação de grávidas contra a COVID e a gripe é obrigatoriamente realizada nos centros de saúde. Ali nos dirigimos noutro dia para solicitar o agendamento da mencionada vacinação tendo, entretanto, a minha mulher recebido uma chamada telefónica e diversas mensagens de texto a confirmar a marcação. No dia e hora indicados, dirigimo-nos ao centro de saúde, onde aguardámos cerca de uma hora até nos dizerem que não havia qualquer marcação no sistema. Só após a nossa insistência foi realizada a vacinação, não sem antes termos sido interrogados e questionados sobre a veracidade do nosso agendamento pela enfermeira, visivelmente incomodada por estar apenas à espera de vacinar, naquele dia, “apenas pessoas com mais de 100 anos, o que não me parece ser o caso”.

No hospital público da nossa área de residência, convocaram a minha mulher para fazer análises, em jejum, às 13h00, sabendo-se que é desaconselhado a mulheres grávidas (em bom rigor, a qualquer pessoa) permanecerem longos períodos em jejum. O mesmo hospital em que eu, após uma ida às urgências que resultou no reencaminhamento para a realização, com urgência, de um exame importante, o vi ser adiado duas vezes, a segunda por tempo indeterminado, tendo acabado por recorrer a um hospital privado para a realização, a expensas próprias, do mesmo, no valor de 300 euros.

Se não tivéssemos acesso ao sector privado de saúde, eu e a minha mulher estaríamos completamente desacompanhados, principalmente nesta fase das nossas vidas. Note-se que não temos qualquer preconceito contra o sector público. Não só somos funcionários públicos e contribuintes líquidos, como acreditamos que num país desenvolvido deve existir um sistema de saúde – contemplando agentes públicos e privados –, ao qual é garantido pelo Estado um acesso equitativo de todos os cidadãos. O que temos em Portugal, infelizmente, é um sistema que não responde às necessidades dos portugueses, dos quais muitos se viram na contingência de ter de aderir a seguros de saúde para conseguirem ter resposta para os seus problemas, a que o SNS, pago com impostos de todos nós, já só parca e tardiamente consegue responder.

Retornando às declarações de Pinto Luz, parece-me que este governo está cada vez mais parecido com os de António Costa. Confunde anúncios de medidas com a resolução de problemas, comunica a sua cartilha como quem vive num país das maravilhas que não tem correspondência com a realidade, e em relação à maioria da população activa, que só aparenta ter utilidade contributiva, não faz outra coisa a não ser, claramente, convidá-la a emigrar.

Este país não é para jovens, não é para velhos, nem para ninguém, a não ser para os mesmos de sempre, as elites políticas que continuam a viver na sua bolha politiqueira e a usufruir de um país permeado por instituições extractivas que alimentam a sua cupidez do poder, não se descortinando qualquer estratégia de desenvolvimento do país e de prossecução do interesse geral da comunidade.

Para mim, viver neste país assemelha-se cada vez mais a um esforço sisífico, em que não só não se vislumbra o topo da montanha, como esta é cada vez mais íngreme e a rocha cada vez maior. É excruciante viver em Portugal.